Os açougueiros amadores eram os fornecedores habituais de carne na então Vila de Santo Antônio dos Patos. Era um tipo de abate sem as mínimas condições de higiene e somente os animais sacrificados para consumo próprio tinham algum respaldo sanitário. Com o tempo foram surgindo as charqueadas primitivas e os matadouros municipais, que faziam o abastecimento local de modo bastante precário, exceto por alguns estabelecimentos nas grandes cidades. As charqueadas e matadouros municipais foram importantes no abastecimento mesmo em locais pouco povoados, mas ainda operavam em condições pouco higiênicas, sem inspeção sanitária, produzindo para consumo imediato, exceto pelas carnes salgadas, de maior tempo de conservação. Tais estabelecimentos aproveitavam muito mal os subprodutos, na verdade aproveitavam quase que exclusivamente o couro e o sebo, este último obtido por via úmida em autoclaves, resultando em produto de baixa qualidade, desperdício de resíduos proteicos e, irremediavelmente, em danos ambientais.
O primeiro movimento para se criar um matadouro em Patos de Minas surgiu em 29 de maio de 1896, com o projeto de lei do vereador Felisbino José da Fonseca. Mormente a preocupação do edil, seu projeto de lei não foi levado à frente com a rapidez que se fazia necessária. Somente nove anos após o assunto voltou a ser discutido, como demonstra um artigo publicado na edição de 30 de setembro de 1905 do jornal O Trabalho:
Dentre os diversos projetos que têm ocupado a atenção de nossa edilidade, nenhum deles se sobreleva pela sua importância higiênica. Pratica há muito aspirada pela população desta cidade, não logrará ela execução, conquanto haja sido há tempo convertida em lei. A execução dessa lei, porém, não fora levada adiante devido a dificuldades financeiras que assoberbavam a Câmara e quiçá devido a alguns a quem ela mais de perto tocava. Hoje, porem, que novamente se tenta levar por diante medida de tanta relevância higiênica, não deveremos nos calar e nem tão pouco deixar de aduzir algo que pensamos a respeito. Queremos acreditar que a Câmara, que tem em seu seio se não homens de conhecimentos especiais que se condigam com semelhante medida, ao menos homens já práticos e conhecedores dos reclamos sociais e de moços bem intencionados, cujas almas vibráteis só desejam produzir o bem em torno aos seus administrados, terá resolvido, ou por si, ou consultando os competentes na matéria, a prever na lei ora em debate medidas que salvaguardem os princípios de higiene pública.
Outros artigos sobre a importância de um matadouro na cidade foram publicados pelo jornal O Trabalho, inclusive com sugestões importantes, como esta da edição de 20 de outubro do mesmo ano de 1905:
Outra medida de imprescindível necessidade é a fechar-se um pasto ao lado, ao qual serão recolhidos os animais na véspera de serem abatidos, a fim de que estas repousem da jornada, oferecendo-se assim ao consumidor mais uma garantia na excelência da carne. O pasto teria mais a vantagem de que o próprio consumidor poderia ser o fiscal do estado de saúde da rês a abater-se, pois cremos que o regulamento que será elaborado a respeito providenciará de modo a que a carne de certas rezes não seja entregue a consumo público.
A possibilidade da construção de um matadouro na cidade atraia de tal forma a atenção dos seus moradores, que estes discutiam com interesse apaixonado os poucos detalhes do projeto que chegavam ao seu conhecimento. Afinal de contas, tratava-se de uma providência de grande alcance social, que serviria para colocar um ponto final na falta de higiene que caracterizava a comercialização de carne de animais abatidos nos açougues existentes. E sem uma fiscalização rigorosa, pensavam muitos habitantes, o que não deveria estar sendo vendido ao consumidor desprevenido?
Durante este período em várias regiões do interior de Minas Gerais houve surtos de cólera. Quem sabe também em Patos. Sem podermos afirmar que esse foi o motivo, juntamente com as matérias do jornal o Trabalho e o desejo do povo, eis que na sessão de 21 de setembro de 1906 da Câmara Municipal o vereador Eduardo Ferreira de Noronha indicou que a Casa nomeasse os Drs. Olegário Dias Maciel, Euphrasio José Rodrigues e Antônio Nogueira de Almeida Coelho para que, “com o seu patriotismo, auxiliem a Câmara a estudar o local mais conveniente em que se deve construir o matadouro municipal e respectivo curral, oferecendo seu parecer”.
O trio escolhido para determinar o melhor local para a construção do Matadouro teve auxílio substancial de um benemérito. Naquele tempo, a Rua Major Gote, a partir da Rua José de Santana, era um imenso pasto que pertencia a este último. Ele doou uma parte do pasto, onde hoje é o Banco do Brasil, e ali foi construído o 1.º Matadouro Municipal de Patos de Minas. A título de curiosidade, José de Santana também doou os terrenos para a construção do Hospital Regional e do Grupo Escolar Marcolino de Barros. Num artigo da edição de 24 de maio de 1969 do Jornal dos Municípios está escrito sobre o doador: José Santana nunca deu grande importância à fortuna. Foi sempre liberal. Dizia que não poderia levar em seu caixão os bens materiais. Para os filhos procurou dar instrução, que considerava o maior bem¹.
No final de 1907 tiveram início as obras do Matadouro, solenemente inaugurado em janeiro de 1908. De acordo com a sessão da Câmara Municipal de 05 de maio daquele ano, está claro que o custo da obra ficou acima do orçado, pois foi aberto crédito especial de sete contos trezentos e um mil e quarenta e cinco réis para pagamento de despesas com a construção. E cinco meses depois de inaugurado, não havia ainda meio de transporte dos produtos. Então, em 09 de setembro, a Câmara ficou autorizada a despender um conto de réis para aquisição de uma carroça a fim de prestar o serviço de transporte do Matadouro para os açougues. Quem sabe, talvez, o Matadouro foi inaugurado oficialmente em janeiro sem as devidas condições de funcionamento e somente nove meses depois, com o término definitivo das obras e a compra da carroça é que finalmente entrou em atividade.
Em 08 de janeiro de 1910 o presidente do Estado apresentou projeto autorizando o Agente do Executivo a arrendar o serviço mediante concorrência pública, por prazo não excedente de um ano, observadas as condições constantes no referido projeto. Eis aqui o Estado “autorizando” e não “determinando” que o município arrendasse o serviço do Matadouro. É um fato interessante porque quando da construção não houve interferência do Estado, o matadouro foi construído às custas do erário local e com a doação do terreno por parte de José de Santana. Pode-se imaginar que o Agente do Executivo quis se desvencilhar do ônus de manter o Matadouro. Só não se entende porque o Município enviou um projeto pedindo autorização ao Estado para arrendar o serviço e porque a determinação de no máximo um ano.
Sobre o arrendamento, ele de fato aconteceu. Há um registro na Câmara Municipal sobre o fato datado de 08 de abril de 1916. Nesta data, em sessão extraordinária, Joaquim Francisco Guimarães pede a rescisão de contrato firmado em 02 de dezembro de 1915 para prestação de serviços no Matadouro Municipal, tendo surgido vários motivos imprevistos que ocasionaram extraordinário decréscimo na arrecadação, tornando-se deficitário. O principal deles foi o procedimento de um “estabelecimento industrial, grande contribuinte do Matadouro, que transfere o preparo de banha e de carnes para o perímetro suburbano, com matadouro próprio”.
Em 23 de setembro de 1916, a Lei n.º 188 “Autoriza o Agente Executivo a comprar do Capitão José de Sant’Anna, o terreno necessário à construção de novas dependências do Matadouro Municipal”. Das duas uma: havia a necessidade de expandir o Matadouro para suprir a demanda ou a necessidade de uma construção nova. Esse assunto entrou em discussão na sessão de 06 de fevereiro do ano seguinte. Na oportunidade, o Presidente Adélio Dias Maciel apresentou mensagem comunicando não dar execução àquela lei em virtude de não ter conseguido entrar em acordo com José de Sant’Anna. Já na sessão seguinte, o vereador José Sandoval Babo apresentou parecer opinando que “o terreno deve ser desapropriado, para isso basta declarar ser o mesmo de necessidade ou utilidade pública, autorizando o Agente do Executivo a promover, por si ou por procurador judicial, a desapropriação na forma da lei”. O vereador Euphrasio José Rodrigues declarou “não ser conveniente a desapropriação e requeria que fosse formada uma Comissão Conciliatória de três membros para entrar em acordo com José de Sant’Anna. Aprovada por unanimidade a proposta, foi formada a Comissão Constituída de Euphrasio José Rodrigues, Agenor Dias Maciel e Cornélio França de Oliveira. O vereador Euphrasio, por parte da Comissão Conciliatória, apresentou no dia 10 de fevereiro, projeto autorizando o Agente do Executivo a comprar o terreno por 500$000. Foi aprovado, mas o vereador Babo, considerando sobre o parecer e o projeto, votou contra os mesmos e requereu que fossem enviados à Comissão de Obras Públicas, o que foi aprovado sem nenhum debate.
A Comissão Conciliatória não conseguiu convencer o Cap. José de Sant’Anna a vender o terreno para uma necessidade que reverteria em benefício de todos. Sabe-se lá porque, desta vez não quis doar, como fez da primeira vez, e muito menos vender. Com a negativa do Capitão, na sessão do dia 18 o vereador Babo apresentou parecer propondo nomeação de outra Comissão para novos entendimentos com José de Sant’Anna (2 mil réis por palmo de terreno de frente). Formou-se nova Comissão, constituída de Pio de Melo Ribeiro, José Sandoval Babo e Justiniano Henriques Tibúrcio. José de Sant’Anna, diante do parecer da 2.ª Comissão Especial, decidiu que “se conformaria com qualquer decisão da Câmara a esse respeito, esperando assim por termo definitivo a essa questão”.
Após a concordância do Cap. José de Sant’Anna com qualquer decisão da Câmara, não há nas Atas da Casa nenhuma referência sobre o Matadouro Municipal até 1921 e, lamentavelmente, não se sabe o destino dos Livros de Atas no período de 1922 a 1926. Não se sabe, portanto, se o terreno foi comprado e se comprado, foram melhoradas as dependências do Matadouro. O que se sabe é que em 1925 as condições não eram nada saudáveis. A edição de 02 de agosto do Jornal de Patos publicou uma matéria onde enfatiza:
Eis ahi porque sugere-se-nos chamar a attenção, ja não da illustre edilidade, mas de todas as classes que constituem o nosso adiantado meio, para um assumpto que respeita a hygiene e a saúde publica, que, a todos nós é de summo interesse. Estamos informados, por pessoas que conhecem de visu, o estado pouco lisongeiro do nosso Matadouro publico. Quem duvidar, mormente as pessôas competentes de nossa sociedade, que a todos occorre o direito e solidariedade na fiscalização, dê um passeinho por aquellas immediações afim de verificarem si é ou não verdade o que se diz².
Com a divulgação pela imprensa do “estado pouco lisonjeiro” do Matadouro, é certo que algum tipo de manifestação do povo chegou até as autoridades competentes. No período de 1927 a 1930, Marcolino de Barros era o presidente da Câmara, tendo Clarimundo José da Fonseca Sobrinho como vice e Antônio Dias Maciel como secretário. Muito se discutiu até que chegaram à conclusão que, ao invés de reformar o primeiro Matadouro, seria mais conveniente construir um novo em outro local. Em 14 de setembro de 1927, a Lei n.º 280 “Autoriza aquisição de terrenos para nova instalação do Matadouro Municipal”. Em 26 de outubro de 1929 Lei n.º 297 “Empenha saldo de balancete anterior para construção do novo Matadouro Municipal”.
Com a Revolução e a implantação do governo provisório em 1930 por Getúlio Vargas, as Câmaras Municipais foram extintas. Os Presidentes das Câmaras que acumulavam a função de Agente Executivo foram substituídos pelo Conselho Consultivo, neste período presidido pelo Prefeito Municipal. Em Patos, sem o ainda “de Minas”, o prefeito nomeado pelo interventor do Estado foi Clarimundo José da Fonseca Sobrinho. O Conselho Consultivo foi constituído por Amadeu Dias Maciel, Augusto Barbosa Porto, Huáscar Corrêa da Costa, José Rangel e Pedro Francisco Guimarães.
Desde o início da gestão, o Conselho Consultivo se preocupou com as deficiências do Matadouro e procurou logo saná-las com a construção de outro localizado longe do Centro da cidade. Na sessão de 07 de março de 1931 foi amplamente discutida a reforma da planta do novo matadouro e do contrato feito para a sua construção, que foi prontamente comunicada ao Governo do Estado. Este não demorou muito a responder, sancionando em 1.º de junho o Decreto n.º 9946 que determina: Concede autorização ao Prefeito Municipal de Patos para abrir o crédito adicional de 14:591$000, necessário à conclusão das obras do Matadouro Municipal da cidade, sede do Município. Na sessão de 10 de setembro os Conselheiros tomaram conhecimento de que as obras se encontravam em vias de conclusão e dirigiu-se ao Presidente do Estado no sentido de autorizar à Prefeitura a abertura de outro crédito na importância de 19:600$000, desta feita para a aquisição de um caminhão para o transporte de carnes e de um autoclave para os serviços. O término das obras e a aquisição dos bens foi comunicado pelo Prefeito Clarimundo na sessão de 10 de dezembro.
O dia 14 de janeiro de 1930 marcou definitivamente o fim do 1.º Matadouro Municipal, quando foi inaugurado pelo Prefeito Clarimundo José da Fonseca Sobrinho o novo estabelecimento. Com a presença dos membros do Conselho Consultivo e bênção do Cônego Manuel Fleury Curado, as novas instalações³ estavam prontas para melhor atender à população.
* 1: Leia “José de Santana”.
* 2: Leia a matéria na íntegra em “Matadouro Municipal – 02/08/1925”.
* 3: Hoje, o Bairro Várzea, final da Rua Espírito Santo, à margem direita do Rio Paranaíba, próximo ao Cemitério Santa Cruz.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fontes: O Trabalho – Primeira Fase, de Fernando Kitzinger Dannemann; Uma História de Exercício da Democracia – 140 Anos do Legislativo Patense, de José Eduardo de Oliveira, Oliveira Mello e Paulo Sérgio Moreira da Silva; Beefpoint.com.br.
* Foto 1: Do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, publicada em 23/02/2013 com o título “1.º Matadouro Municipal”.
* Foto 2: Do arquivo de Fernando Kitzinger Dannemann, publicada em 21/02/2014 com o título “Casa de Abate e Currais do 1.º Matadouro Municipal”.