A dermatite atópica (atopia canina) é uma doença geneticamente programada em cães, onde os pacientes tornam-se sensibilizados a antígenos ambientais (ácaros de poeira doméstica, esporos de fungos, pólen, poeira doméstica, escamas de animais e humanos, além de restos de insetos). É uma reação de hipersensibilidade que induz a liberação de mediadores responsáveis por reação inflamatória e prurido; enzimas proteolíticas, histamina, e leucotrienos são os mediadores mais comuns.
Embora a teoria popular afirme que a atopia canina se desenvolve subsequentemente à sensibilização a alérgenos ambientais por meio do trato respiratório, a distribuição ventral, podal e facial das lesões cutâneas sugere fortemente que a exposição percutânea também pode exercer um papel no desenvolvimento de inflamação (eritema, edema, prurido) Num grande número de cães, o prurido é exibido pela lambedura das patas, fricção da face e arranhões. A dermatite resultante começa com um eritema que pode progredir até uma dermatite inespecífica, com pele espessa e dura, crostas, alopecia e/ou piodermatite e seborreia secundárias. Os pés, região periocular, focinho, axilas, superfícies cutâneas de flexão e extensoras e virilhas são os locais mais comumente envolvidos.
De um modo geral os sinais clínicos são observados pela primeira vez quando os animais têm entre 1 e 3 anos de idade. Entretanto, a doença tem sido observada inicialmente em animais bem jovens (aproximadamente 12 semanas de idade). Caso surja sensibilidade a pólens, a condição provavelmente é sazonal. Entretanto, muitos animais exibem doença perene, refletindo assim a importância da alergia a ácaros da poeira doméstica e ao pó doméstico. Certas raças sabidamente têm uma predileção pela atopia, como: Pastores Alemães, Boxers, Labrador Retrievers, Golden Retrievers, Cairn Terriers, West Higland White Terriers, Fox Terriers, Irish Settters, Poodles e Schauzers Miniatura.
Dependendo da duração e do grau da inflamação, pode ocorrer alopecia em qualquer uma das áreas acometidas, muitas vezes ocorre infecção secundária por bactérias, em geral uma piodermatite superficial com pápulas eritematosas que podem evoluir para pústulas, entretanto, com mais frequência, evoluem para pequenas crostas ou áreas circulares de alopecia com uma borda descamativa. Otite externa eritematosa crônica é um achado frequente. Normalmente o eritema prolongado leva à hiperplasia dos tecidos do ouvido. Também predispõe a um aumento das secreções pelas glândulas de revestimento dos canais, as quais podem atuar como meio de cultura para bactérias e leveduras, predispondo à otite externa. Em Cocker Spaniel, especialmente, ocorre com frequência alopecia, eritema, hiperpigmantação e descamação gordurosa na região ventral do pescoço, abdômen e região posterior das coxas, alteração esta que gera um típico odor rançoso. Outros sintomas dos cães atópicos podem ser crises de espirros, lacrimejamento com base numa conjuntivite alérgica e alteração da cor da pelagem, devido a manchas pela saliva. O suor excessivo ocorre em 10% a 20 %. A asma é uma manifestação rara da doença.
A localização anatômica das lesões podem não definir o diagnóstico preciso, sendo assim, o processo utilizado para o diagnóstico continua sendo a exclusão das demais dermatopatias alérgicas. O único método de determinação dos alérgenos envolvidos consiste na aplicação de testes intradérmicos. Dos cães suspeitos com base em seus aspectos clínicos, 80% exibem uma reatividade imediata ao teste cutâneo para inalantes. Na pendência dos resultados, pode-se conseguir controlar o prurido banhando-se o animal a cada 1-3 dias com um xampu umectante emoliente, farinha de aveia e xampu a base de paroxamina. Alternativamente pode-se utilizar um simples xampu de limpeza seguido da aplicação de um condicionador contendo paroxamina. Loções ou sprays contendo hidrocortisona a 1% podem ser aplicados na pele pruriginosa inflamada duas vezes ao dia, contanto que não sejam aplicados no local usado para o exame.
O mais importante a fim de firmar um diagnóstico é considerar e eliminar os principais diagnósticos diferenciais, sendo que, com frequência, algumas das patologias citadas abaixo estão presentes simultaneamente com a atonia. São elas:
HIPERSENSIBILIDADE ALIMENTAR: Pode provocar a mesma distribuição de lesões e idênticos achados de exame físico, mas deverá ser não sazonal, a diferenciação é feita pela observação de resposta à dieta hipoalergênica.
HIPERSENSIBILIDADE À PICADA DE PULGA: É a mais frequente causa de prurido sazonal em muitas regiões geográficas. A diferenciação é feita observando-se a distribuição das lesões, resposta ao controle de pulgas e resultados de teste cutâneo intradérmico.
SARNA SARCÓPTICA: Frequentemente ocorre em cães jovens ou abandonados, geralmente provoca prurido grave na região ventral do peito, na lateral dos cúbitos e jarretes e nas margens das orelhas. Múltiplos raspados de pele e/ou resposta completa a uma tentativa de tratamento acaricida são indicados para que se descarte-a.
PIODERMATITE SECUNDÁRIA: Geralmente causada por Malassezia pachydermatis, caracterizada por áreas intertrigosas e dobras de pele eritematosas, descamativas, crostosa, gordurosas e muito fétidas. A demonstração por citologia de pele de numerosos organismos fungicos em brotamento e a obtenção de uma resposta favorável a terapia antifúngica são diagnósticas.
DERMATITE POR CONTATO (alérgico ou irritante): Pode causar eritema e prurido graves nas patas e em áreas da região ventral do abdômen escassamente cobertas por pelos. História de exposição a um irritante ou sensibilidade de contato desconhecido, resposta a uma mudança de ambiente e teste do emplastro podem ser diagnósticos considerados raros.
A dermatite atópica é uma doença incurável, mas pode ser controlada na maioria dos casos. Este controle consiste em:
A) Reduzir a exposição antigênica: Depende exclusivamente da dedicação e a aceitação do proprietário em entender o que agrava cada paciente atópico. O tratamento específico necessita da privação dos alérgenos que é pouco realizável na prática. Entretanto, à semelhança da alergologia humana, vem sendo possível diminuir a carga alergênica. Substâncias acaricidas e desnaturantes dos ácaros estão efetivamente disponíveis. É eficiente o uso de filtro de ar de alta eficiência (HEPA) ou de carvão para reduzir pólen, mofo e poeira na casa.
B) Prevenir a estimulação do sistema imune (controle de parasitas): O controle parasitário deve ser muito rigoroso, a frequência de aplicação tem que ser maior tendo em vista que o atópico toma mais banho.
C) Reforçar a barreira epidérmica: O conceito “Skin Barrier” tem sido utilizado em empresas de ração, na tentativa de minimizar a perda transdérmica de água e consequentemente o ressecamento e quebra da barreira cutânea. Este conceito está ligado às dietas que contém ingredientes que aumentam a proteção da pele como o ácido pantotéico, inositol, nicotinamida, colina, histadina, além de níveis diferenciados de ômega 3 e 6 e ervas como a curcumina e aloe vera.
D) Controlar infecções secundárias: A piodermite intersticial constitui a causa de prurido mais comumente desprezada em cães alérgicos. Quanto à infecção com Malassezia, os fatores do ambiente e do paciente que sustentam o desenvolvimento da doença clínica incluem aumento do calor e da umidade, imunidade anormal ou suprimida, alergias, distúrbios de queratinização e piodermatite. As infecções levedurais podem ser tratadas especificamente com uma terapia antifúngica tópica e ou sistêmica.
E) Higienizar e hidratar a pele: Procedimento realizado com o auxílio de xampus de aveia coloidal, glicerina, aloe vera, alantoína, que podem ser utilizados duas vezes por semana. Outros ricos em ceramidas e ômegas e que não alteram as características da pele podem ser utilizados com igual propósito. Devem ser evitados xampus com peróxido de benzoíla, melaleuca e clorexidine (em concentrações maiores que 3%) para uso frequente. Aqueles com corticoides podem ser utilizados com cautela quando o paciente não estiver utilizando outro tipo de corticoide (tópico ou sistêmico). É provável que a utilização frequente de xampus, além de um efeito calmante, benéfico sobre a pele, diminui a penetração transcutânea dos alérgenos. Nas formas localizadas, o recurso a sprays, pomadas ou cremes anti-inflamatórios (dermocorticoides, estratos coloidais de aveia, hamamelise de mentol, glicerolperoxidase) são igualmente benéficos.
F) Reduzir a inflamação: Quando a prevenção de alérgenos não é possível ou quando não é eficaz na redução dos sintomas da doença utilizam-se drogas anti-inflamatórias. Faz-se o uso de anti-histamínicos, ácidos graxos essenciais, ciclosporina e glicocorticoides. Estes reduzem a inflamação e o prurido. Os corticoides podem ser utilizados sob a forma de agentes tópicos, em particular, para lesões localizadas na face e /ou nas extremidades. Sua utilização sistêmica é mais discutível diante da obrigação de prescrevê-los por longo tempo. Pode-se, entretanto, recorrer a moléculas menos tóxicas nas crises graves administradas por via oral (prednisona, prednisolona, metil-prednisolona).
A utilização de moléculas injetáveis que aliviam imediatamente a crise (a injeção milagrosa) é fonte de satisfação para o proprietário e para o animal, mas a necessidade de renovar regularmente as injeções e o eventual aparecimento de infecções secundárias são rapidamente fonte de desistência. Porém, o uso esporádico de acetato de metilpreminisolona ou de betametazona pode ser feito quando a dermatite for extremamente grave, quando apenas 1 a 3 aplicações por ano forem suficientes para controlar uma alergia sazonal ou quando o cliente achar impossível administrar medicação oral para o animal. Nunca administrar mais frequentemente do que oito semanas.
Anti-histamínicos são menos eficazes que os glicocorticoides. Infelizmente, a pequena porcentagem de êxito para cada um deles separadamente justifica as tentativas sucessivas. Efeitos secundários (sedação, teratogenicidade) são possíveis. Clorofeniramina, difenidramina e hidroxizina podem ser úteis para o controle do prurido e do eritema, quando este não for grave. Fumarato de clemastina e cetotifeno também são eficazes, porém o custo é mais alto. Os suplementos de ácidos graxos essenciais comercializados para uso em dermatologias inflamatórias contêm uma combinação de ácido γ-linolêico (GLA, originário de óleo de prímola-da-noite), ácido icosapentaenóico (EPA, originário de óleo de peixe) e ácido linoléico (LA, originário de óleos vegetais).
Suplementos orais de ácidos graxos essenciais ajudam a controlar o prurido em 20 a 50% dos casos, com efeito benéfico normalmente dentro de 3 a 4 semanas após o início do tratamento. Utilizados sozinhos, eles permitem raramente uma diminuição significativa do prurido, mas melhoram consideravelmente o estado cutâneo. Utilizados em associação, eles diminuem por vezes as doses necessárias de corticoides e aumentam a eficácia dos anti-histamínicos por uma ação sinérgica. Sua inocuidade justifica seu emprego em grande número de casos. Infelizmente, trata-se de produtos caros, em particular para os grandes cães. Frente à baixa eficácia dos anti-histamínicos ou ao grande ao número de complicações dos corticoides, frequentemente novas drogas são propostas, como a ciclosporina. Atualmente esta droga, de custo elevado, tem sido utilizada com bons resultados. Contudo, podem ocorrer efeitos colaterais de origem digestiva (vômito e diarreia), perda de peso, hiperplasia gengival, papilomatose oral e hirsutismo.
Se o alérgeno ou alérgenos forem identificados com precisão, a imunoterapia ou dessensibilização pode ser uma boa opção. A imunoterapia específica consiste na administração de doses crescentes de extratos de alérgenos aos quais o animal revelou sensibilidade (revelados pelos testes e passíveis de erros). Há relatos de que a hipossensibilização é benéfica para 50-80% dos cães. Além disso, aproximadamente 75% dos cães podem ser controlados sem o uso de glicocorticoides sistêmicos quando a hipossensibilização é combinada com outros tratamentos não-esteroides. Pode demorar 6-12 meses até que os animais respondam a imunoterapia e dessa forma, não deverá ocorrer uma avaliação clínica crítica até esse momento. Animais mais velhos, cronicamente acometidos com doença de longa duração, parecem estar associados a uma resposta mais deficiente.
Concluindo, a dermatite atópica canina constitui-se numa das afecções de maior incidência dentro da dermatologia veterinária, já que é responsável por aproximadamente 10% das dermatopatias que acometem cães, sendo também uma das primeiras causas de prurido no cão, depois da dermatite alérgica à picada de pulgas. As manifestações cutâneas são variadas e por vezes inespecíficas, competindo ao clinico a difícil tarefa de estabelecer um diagnóstico, haja vista a existência de um variado leque de possíveis diferenciais a serem considerados. Por se tratar de uma doença complexa, crônica e incurável, o tratamento é multifatorial e seu objetivo principal não se resume apenas no controle do prurido. A conduta adotada deve ser capaz de combater as infecções secundárias intercorrentes, evitar que as mesmas se manifestem e, sobretudo, proporcionar ao paciente alivio e bem estar, fazendo uso de um número reduzido de fármacos com o emprego da menor dose possível. Contudo, de nada adianta um diagnóstico preciso e uma conduta terapêutica adequada se não houver entendimento, cooperação e persistência por parte do proprietário, já que este paciente necessitará de cuidados especiais por toda vida.
* Fonte: Atopia Canina – Revisão de Literatura, de Crisley Dutra Machado e Priscila Soares. Trabalho monográfico de conclusão aprovado como requisito parcial para obtenção do título de Especialista do curso de Pós-Graduação Latu sensuem Clínica Médica de Pequenos Animais, da Universidade Castelo Branco (Rio de Janeiro – 2008), pelo seguinte examinador: Orientador: M.Sc. Paulo Augusto Aragão Zunino, Instituto Qualittas de Pós Graduação.
* Foto 1: Dermatocenter.com.
* Foto 2: Portaldospugs.com.