É fato que dos inúmeros forasteiros que aportaram em Patos de Minas nos idos tempos alguns se sobressaíram pela identificação com a cidade e se tornaram personagens que contribuíram para o seu progresso. Rafael Gomes de Almeida é um digno representante deste grupo de pessoas que num período muito curto de estadia e trabalho na nova terra se tornaram patenses de alma e coração.
Nascido na cidade de Luz em 17 de março de 1936, é um dos onze filhos de Ronan Gomes de Almeida e Maria da Cunha Almeida. Tinha terminado o primeiro ano primário em sua cidade natal quando, em 1943, a família se mudou para Patos de Minas. O curso foi completado no Grupo Escolar Marcolino de Barros. No Ginásio Municipal Benedito Valadares fez o primeiro ano ginasial, completado em 1949 na Escola Normal por causa do fim das atividades escolares do outro.
Naquele tempo era comum a garotada trabalhar. “A gente não era rico, mas vivia bem, meu pai era negociante de gado e eu não precisava trabalhar, mas gostava de fazer alguma coisa para ter meu próprio dinheirinho, principalmente para as matinês de domingo. A nossa casa tinha um quintal grande e muitas frutas e verduras. Então eu vendia manga, couve, fazia entregas e também gostava de engraxar sapato”.
No início da década de 1950, na questão escolar Patos não oferecia além do Ginásio. Quem quisesse prosseguir nos estudos era obrigado a procurar outras paragens. Decidido a ser Contabilista, Rafael cursou um ano em Dores do Indaiá, seis meses em Anápolis e se formou Contador pelo Colégio Liceu de Uberlândia no ano de 1954. Com o diploma na mão, teve que esperar até 1956 para iniciar-se na profissão, pois ainda não tinha a idade exigida por lei. O primeiro escritório próprio foi aberto em 1958, que foi ampliado em 1961 quando o trabalho já era intenso. Como Contabilista é um dos fundadores da Associação da classe, hoje transformada em Sindicato e foi o primeiro assessor fiscal da Associação Comercial de Patos de Minas.
Com vinte anos de idade, Rafael conheceu Maria Conceição de Faria. “A família dela é de Pitangui e havia se mudado para cá. Eu tinha comprado uma casa e casualmente tive a oportunidade de alugá-la para eles. Um dia teve uma chuva muito forte. Tão logo estiou, fui chamado por causa de goteiras na casa. Estava lá tranquilamente arrumando as telhas quando surgiu a Sãozinha (apelido de Maria Conceição) para me ajudar. Foi aí que tudo começou. Dois anos depois nos casamos, em 04 de novembro de 1958”. O casamento com Sãozinha foi o primeiro com celebração eucarística na Diocese de Patos de Minas. E o Padre Almir Neves de Medeiros, que o presidiu, assim terminou a homília: “Rafael, como anjo, seja sempre o portador das alegrias; Maria seja sempre digna desse nome”.
Em 28 de outubro de 1956, Dom José André Coimbra e os padres Almir Neves de Medeiros e Josias Tolentino de Araújo lançaram o jornal Folha Diocesana. Sabedor de que Rafael havia nascido com o dom da escrita, Padre Almir o convidou para fazer parte do corpo redatorial do jornal. Foi o pontapé inicial na carreira de Jornalista. Além da Folha Diocesana, de que participou da fundação e foi onde encerrou a carreira em 1988, ainda escreveu para Jornal dos Municípios, Correio de Patos e A Debulha. “Fazer jornalismo é muito desgastante, apesar de contagiante. Há por parte do povo uma certa incoerência, onde ele aplaude em casa e vaia na rua. Na verdade, meia dúzia de vaia representa a multidão que aplaude. A gente sempre é vítima da meia dúzia. E não gostam de elogiar o que a gente faz, não dão valor. Agora, depois de tantos anos fora do jornalismo, estão atrás de mim para soltar os melhores artigos. Eu pergunto: – Você tem filhos, qual deles você mais gosta? Aquele momento que eu escrevia era o meu melhor momento. Fui muito feliz como jornalista. Nos meus artigos eu apresentava um problema e sempre apresentava a solução. Fui várias vezes ameaçado e minha família também. Telefonavam no anonimato. Mas o tempo é o senhor da razão, e as pessoas que me criticavam no passado, todas elas são meus amigos hoje”.
Contabilista e Jornalista. Era pouco para Rafael. Ele resolveu então se enveredar para a música. Participou dos Festivais Intermunicipais da Canção de Patos de Minas, vencendo em muitos deles ora pelas letras, ora pelas melodias. Tornou-se famosa na cidade a sua canção Marilene, interpretada por Waldir Carvalho e gravada em compacto no ano de 1970. “Em 1993, participei de um concurso da CNBB para eleger a música da Campanha da Fraternidade daquele ano. Na final, ganhamos eu (Conto da Entrada) e o Padre Zezinho. Minha música foi cantada no Brasil inteiro e até hoje toca. Escrever música para mim é como uma necessidade fisiológica. Isso foi um dom que Deus me deu. Compus umas cinquenta”. No início da década de 1990, aos treze anos de idade, Guilherme Manito (Filho de Manito, da dupla Osmano e Manito) participou de cinco programas da Xuxa na TV Globo. Ele cantou duas músicas de autoria de Rafael.
Contabilista, Jornalista e Músico. Ainda era pouco para Rafael Gomes de Almeida. Ele então resolveu se enveredar pela literatura. A trova sempre o seduziu e foi escrevendo-as e gravando-as em caderno de apontamento que o grande amigo Padre Almir lhe ofereceu. Nelas se encontram todo o poder sintético de sua alma de poeta, levando o leitor a meditar na profundidade de suas mensagens. Cem delas foram selecionadas com os avais dos poetas e trovadores Altino Caixeta de Castro (Leão de Formosa) e D. José Belvino do Nascimento para comporem o seu primeiro livro, Xibius do Meu Garimpo, lançado em 1991. O segundo, Passagens de Vida, foi lançado em 1997.
As duas datas mais tristes na vida de Rafael foram 29 de setembro de 1974, quando perdeu o pai, e 26 de fevereiro de 1986, quando perdeu a mãe. Mas ele e os irmãos tinham um trunfo das mãos: Laurinda Eva de Jesus, a Mãe Preta, ou simplesmente Di. “Di trabalhava na fazenda de café do meu pai lá em Luz. Quando viemos para Patos, ela veio com a gente. Era negra, analfabeta e descendente de escravos. Depois da morte de mamãe, todos nós fomos literalmente adotados por ela. Foi um suporte poderoso. Quando ela fez cem anos nós conseguimos juntar a família toda. Ela estava entusiasmada, lúcida, só com dificuldade de caminhar. Depois dos parabéns, cantaram a minha música Marilene. Chorei muito, principalmente quando, emocionada, ela me disse: – O dinheiro paga a festa, mas é amor que faz a festa. Infelizmente, um ano depois, em 2007, Mãe Preta nos deixou para sempre”.
No lançamento do livro Xibius do Meu Garimpo, em discurso improvisado, Dr. Dácio Pereira da Fonseca proferiu as seguintes palavras: “As pessoas que se acercam do Rafael o acham um homem controvertido, mas ninguém pode negar que a maioria vê nele a inteligência; o contabilista ousado; o jornalista violento, que não mede a palavra, mas que também tem sempre a palavra que atenua quando termina; o homem de igreja; sempre presente e que nunca procura se esconder; o poeta, que faz canções que até hoje a gente não esquece. Esse homem todo que vocês admiram não é o homem que eu admiro. O homem que eu admiro é o homem de barro halitado por Deus. Então, quem procura o Rafael, quer levar do Rafael o hálito de Deus, mas não quer levar o barro. Aí o Rafael diz: – ou me levem por inteiro ou me deixem em paz”.
Aos 79 anos de idade, 57 anos de parceria fiel com a esposa Sãozinha, três filhas (Maria de Fátima, Marilene e Magda), sete netos e seis bisnetos, Rafael Gomes de Almeida é mais um exemplo daqueles forasteiros que adotaram Patos de Minas como sua cidade. E Patos de Minas, em agradecimento ao que ele fez pela terra, também lhe adotou com o título de Cidadão Patense em 29 de novembro de 2002.
NOTA: Rafael Gomes de Almeida faleceu em 17 de abril de 2021.
* Texto e fotos (21/10/2015): Eitel Teixeira Dannemann.