Numa bela tarde primaveril, o Dr. Eustáquio Corrêa Loureiro e o José Ferreira Veloso saíram a pescar na fazendo do Antônio Diógenes, cunhado do habilidoso cirurgião, lá pelas bandas de Brasilândia, no rio Paracatú. O Wilson Titan é testemunha desta estória verdadeira. Para maior facilidade penduraram as cartucheiras nuns galhos propícios e soltaram os molinetes dentro dágua. Uma hora depois de várias tentativas, ainda não tinham apanhado nada. Parece que nem biliscava. As moriçocas, com fome crônica e insaciável, acionando suas trombetas aborrecidas, castigavam os dois pescadores, que já cochilavam muito apelando de vez em quando para as “Três Fazendas”. Nisso surge, vindo da outra banda do rio, um corpo estranho movimentando estrepitosamente as águas, espantando os pescadores. Sem perder tempo, apanharam as suas armas e ficaram de prontidão para o que desse e viesse, observando, calados, se era alguma capivara, alguma anta ou outro bicho qualquer. Nenhum deles conhecia capivara, ou pode-se dizer, nunca tinham visto uma, sequer.
Bateram o farol dentro dágua, mas não identificaram nada. Pelo menos parecia não ser jacaré. Amedrontados, bateram novamente o farol, também sem resultado: não dava para entender o que seria aquela montanha escura, redobrada em tamanho pelo medo e que vinha cortando a água aproximando-se deles cada vez mais. Criando coragem, o Dr. Eustáquio perguntou bem baixinho ao Veloso:
– Veloso, capivara tem chifre?
– Eu nunca vi – respondeu o interpelado – mas eu acho que não.
Isto dizendo, foi batendo o farol de modo mais positivo para o rumo do animal desconhecido, que já se aproximara bastante dos observadores. Eustáquio e Veloso, com os olhos estatalados e os cabelos eriçados, estavam indecisos se deviam correr ou atirar.
– Ati-ti-tira, doutor, atira pelo amor de Deus, o bicho come nóis – cochichava trêmulo o Veloso.
– Não, siô. Deixa ele chegar mais perto, que eu varo o olho dele com um tiraço. E-e-ele vai ver…
A estas alturas o animal levanta a cabeça e espirra a água das ventas. Foi quando o Dr. Eustáquio conseguiu reconhecer uma vaca, que aliás devia ser do cunhado Antônio e que lá viera, querendo atravessar o rio.
– Olhe, doutor – concluiu o Veloso, já mais tranquilo – quase que nós fizemos uma asneira, heim? matando a vaca do seu cunhado. Por isso que eu não gosto de atirar sem antes saber certo o que é.
– Pois é, Veloso – arrematou mais tranquilo o Dr. Eustáquio – você viu só? Se nós tivéssemos atirado, o cunhado não nos deixaria mais pescar aqui… Agora eu vou mudar a roupa.
– Uai! Pensei que tinha sido só eu…
* Fonte: Texto publicado sem título na coluna “Todo pescador mente” da edição de 18 de setembro de 1980 do jornal Boletim Informativo, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Muraljoia.com.