ENVIADO DE SIDINEIS, O

Postado por e arquivado em HUMOR.

A1Há muito tempo, lá pras bandas do Sertãozinho, morava um casal parco de recursos financeiros. Apesar da casinha simples e da árdua labuta diária na roça, Maria e Sidineis se gostavam muito e iam levando a vida como podiam. Infelizmente, veio um dia que o Sidineis morreu, deixando a esposa desesperada. Foi uma longa jornada de tristeza, até que a mulher encontrou em Manfredo, este com uma condição de vida um pouquinho melhor, a segurança emocional que precisava.

Numa determinada tarde de sol rascante, com o marido capinando a roça de milho, Maria varria o alpendre da casa quando reparou num homem vindo em sua direção. Como naqueles tempos a tranquilidade no campo era regra geral, a mulher não se preocupou. Quando o estranho chegou, ela perguntou:

– Dondé que cê veio?

Ele respondeu:

– Ah! Eu vim do céu.

Admirada, Maria, simplória demais da conta, assuntou:

– Cê veio do céu? Ah! Cê conheceu o Sidineis lá?

O homem fez uma cara de sério e disse:

– Ah! Conheço muito, ah… o Sidineis, tadim, eu conheço ele muito. Ih! Tá lá numa pobreza danada, num tem nada, num tem o que comê, num tem ropa pra vesti, num tem nada, nada!

Maria se entristeceu. Ficou pouco menos de um minuto em silêncio, pensando, e então falou:

-Ah! Mas então eu vou manda ocê levar alguma coisa pra ele…

O estranho nem deixou a mulher terminar de expor sua ideia:

– É, então a senhora manda que eu levo, nossa, coitado, qualqué coisa que a senhora quisé manda, dinheiro, qualqué coisa pode manda que o Sidineis tá lá numa pobreza danada.

Maria se empolgou na sua simploriedade. Correu para dentro de casa, pega coisa daqui, pega coisa dali, foi no guarda roupas, pegou roupa do Manfredo, sapatos, as economias do casal, um monte de coisas, e pôs tudo num saco de aniagem.

– Então tá aqui, ó, cê pode levar pra ele.

O estranho pegou o pesado saco, jogou na “carcunda” e antes de se despedir para “voltar ao céu” falou pra Maria:

– Pois é. Coitado do Sidineis, ele vai achar muito bão. Então tá, eu já vou, até eu chegar lá, é longe.

Virou as costas e se mandou. Já estava dobrando a curva da estradinha quando o Manfredo chegou em casa. Maria, esfuziante, foi logo contando a novidade:

– Marido, marido, cê num há de vê que tive nuticia do Sidineis.

Manfredo estranhou o dito da mulher:

– Mas muié, que é isso, o Sidineis morreu a tanto tempo.

Maria estava agitada:

– Não, mas pois é, veio um home aqui lá do céu e falou comigo, me contô como é que ele tava lá, tava numa pobreza danada, passando fome, num tinha o que comê, num tinha ropa, num tinha nada, mais pobrim. Aí eu peguei um mundo de coisa pra ele, mandei ropa, mandei sapato, mandei aquele terno seu, mandei… aquele dinheiro que tava guardado, ai mandei também, mandei tudo que tinha aqui pra ele, que lá pro céu é muito difícil de mandar alguma coisa.

Manfredo ficou estarrecido com a narrativa da esposa:

– Muié, cê tá é doida, cadê esse hôme?

Maria, com um semblante de paz imaginando que tinha acabado de cometer um ato de caridade, disse:

– Ó, marido, ele já foi.

Manfredo ficou irritado com o golpe que Maria havia sofrido. Apressado, arriou seu cavalo e se mandou atrás do “enviado do Sidineis”. Pouco mais de um quilômetro de galope pela estrada poeirenta, Manfredo avistou o golpista caminhando na maior tranquilidade com o saco nas costas. Quando este percebeu, triscou no capoeirão. Manfredo apeou do cavalo e saiu correndo atrás dele. Corre aqui, corre ali, o larápio era muito mais jovem que ele e foi distanciando. De repente, o espertinho fez uma curva e se direcionou para onde o Manfredo tinha deixado o cavalo. Foi vapt e vupt. Montou no animal e nunca mais foi visto.

Manfredo sentou no capim esturricado, cobriu o rosto com as mãos e soluçou de raiva. Foi-se o saco, principalmente o dinheiro e, ô danura, foi-se seu cavalo com sela e tudo. Depois de longos minutos, levantou-se e, cabisbaixo, tomou o rumo de casa. Maria o viu de longe e estranhou o fato do marido estar sem o cavalo. Foi correndo até ele e Manfredo nem esperou a esposa perguntar alguma coisa:

– É muié, num tem jeito não, eu pensei mió, eu fiquei com muita dó do Sidineis, então resolvi mandá também meu cavalo pra ele.

Sorrindo de orelha a orelha, Maria encerrou o caso:

– Pois é, cê fez muito bem, coitado do Sidineis, né!

* Fonte: Baseado em depoimento de Matilde Martins de Mendonça (68) colhido por Simone Reis (sem data assinalada), registrado na Fita 8, texto 111 da Categoria “História Oral – Causos e Narrativas” do Projeto Raízes Culturais, arquivado no Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Sitededicas.ne10.uol.com.br.

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