Tem algo de especial no ar de Patos de Minas, desde o último dia 20. Trata-se do primeiro CD de um músico patense “residente e domiciliado” na cidade. O autor da façanha é um pacato cidadão de gestos calmos, conversa macia e talento indiscutível. Dalla, empresário do setor de hotelaria quase por acaso, compositor por vocação, acaba de realizar seu sonho e assina o disco “Viajar no Azul” – obra de arte com 14 faixas, que reúne novas e velhas canções.
“Sempre quis gravar, mas não estava mais pensando nisso, quando surgiu a possibilidade concreta de fazer o CD”, relembra Roberto Antônio de Deus (o nome de registro em cartório, conforme a legislação requer). Mas a possibilidade não era lá tão concreta assim. Um grupo de amigos – Antônio Libânio, Kleber Lima (Da Anta Editora), Wilson Pereira e Civuca Costa – jogou a semente em dezembro de 1993, durante o lançamento de um livro do poeta Wilson Pereira, e ela germinou no coração conformado de Dalla.
Foi como um vulcão inativo que entra em erupção. “Saí dali pensando no disco e não parei mais; só pensava nisso o tempo todo”, confessa o cantor e compositor. O “projeto” previa uma sustentação financeira. Só que ela não veio como fora programada. Mas o apoio moral foi quase absoluto. Em abril de 1994, Dalla começava a gravar nos estúdios da Bemol, em Belo Horizonte. A idéia era fazer todo o trabalho “numa tacada só”. Seriam, então, 14 períodos de utilização dos estúdios. Mas o “frisson” foi quebrado de repente, depois de três dias de gravação. Simplesmente não havia dinheiro.
Sem outra alternativa, o projeto foi interrompido. Mas os três períodos feitos nos estúdios da Bemol teria mesmo que frutificar. “Quando recebi a fita com as primeiras gravações fiquei apaixonado e louco; estava bonito demais apesar dos poucos instrumentos; não dava para desistir”, comenta Dalla. Entusiasmado novamente (mais ainda que antes), o compositor chamou Civuca Costa, responsável pela produção executiva do CD, e mostrou-lhe o resultado do trabalho realizado em Belo Horizonte. “Civuca, meu braço direito e esquerdo no projeto deste disco, também se empolgou”.
Para retomar o projeto, Dalla sacrificou um lote e investiu no sonho. “Cada vez que a gente voltava ao estúdio, o entusiasmo era maior”. Para alentar o compositor e amenizar as dificuldades, o CD teve total apoio de músicos de talento comprovado com Ivan Corrêa, Marcus Viana (Sagrado Coração da Terra), Sérgio Moreira, Taquinho Noronha, Chico Amaral (saxofonista do Skank), Marcel De Brot, Anísio Dias, Kátia Rabelo e Banda Carambola. “O pessoal entrou de coração no CD, com entusiasmo, fazendo o melhor possível; era como se o disco fosse de cada um dos músicos”, se alegra Dalla.
Com a determinação brotando do coração de músico e saindo pelos poros, Dalla foi tocando o projeto da maneira que podia, passo a passo, até chegar no alto da escada. O resultado é um CD que lhe dá orgulho, sem, contudo, tirar-lhe a humildade. Os arranjos de “Viajar no Azul” foram feitos por Ivan Corrêa e incluem violoncelo, violino, viola caipira, violão de doze cordas, saxofone, teclados e guitarras, além de vocais (arranjos de Dalla e Civuca Costa). As músicas têm um acabamento primoroso, tanto da parte instrumental quanto vocal. Muitas são cantadas a quatro vozes.
Para escolher o repertório de “Viajar no Azul”, Dalla roeu as unhas, coçou a cabeça e perdeu algumas noites de sono. “Tenho cerca de duzentas composições e cada música é como se fosse um filho para mim”, explica. Das quatorze faixas do CD, o artista reservou duas para músicos de sua geração: Luiz Esteves e Ivan Noé Baeta. As demais são ocupadas por composições de Dalla, muitas vezes em parceria com letristas – Wilson Pereira, Dennis de Lima, Wander Porto, Antônio de Pádua Silva e Marcel De Brot.
“Procurei fazer um disco o mais moderno possível, mesmo porque minha música é atemporal, com duas preocupações universais: a ecologia interior e a natureza propriamente dita”, revela Dalla. Ele aposta na popularização de algumas canções como “Viajar no Azul”, a mais pop do disco, “uma música pra cima”; e “Sempre Viva”, que agrada a quase todo mundo, desde os mais jovens aos mais idosos. “Essa música, feita em parceria com o Dennis de Lima, é uma das minhas preferidas”, confessa.
Dalla se diz influenciado por Simon e Garfunkel, Beatles, Rolling Stones, Genesis, Bob Dylan, Geraldo Vandré, Roberto Carlos e Milton Nascimento. Mas garante que poderia encher uma página com outros nomes. Segundo ele, a primeira influência veio da mãe, Dona Geralda, que fazia tudo cantarolando pela casa. Na infância, ouviu muito rádio (não existia TV em Patos naquela época), sobretudo os programas de Ary Barroso e Noel Rosa. “Fuçando” no rádio de válvulas (daqueles enormes) descobriu um programa de rock e se apaixonou pelo ritmo. “Mas não é privilégio do rock; gosto de todos os gêneros musicais, sem preconceito; ouço de tudo, de sertanejo e samba a jazz e clássico”.
Com tiragem inicial de mil cópias, “Viajar no Azul” não vai dar para todo mundo, conforme estimativa do próprio Dalla. Para atender a todos que desejam ter o disco, já foram encomendadas outras mil cópias à empresa paulista Sonopress. De sonho materializado, Dalla sorri como um menino quando percebe a proeza que seu talento e determinação realizaram. “O CD tomou uma proporção que a gente não esperava, porque todo mundo se dispôs a incentivar e ajudar, ainda que fosse perguntando pelo disco”, comenta feliz da vida.
TRAGÉDIA E SUPERAÇÃO
Em meio ao esforço para gravar o CD “Viajar no Azul”, Dalla teve que fazer um exercício de superação humana. Em apenas um mês, duas tragédias automobilísticas levaram seus pais (“Seu” Dico e Dona Geralda) e o irmão (Castelo). Quando toca no assunto, Dalla se emociona e não consegue conter as lágrimas. “Hoje já chorei muito, porque a mudança da minha mãe está chegando aqui (no Roza Hotel), sem ela”, diz com voz embargada. Quando ouve, toca ou canta a música “Qualquer Ruído” – a preferida de Dona Geralda – o choro também é inevitável. Ela foi a maior incentivadora do compositor. “Ela fez minha matrícula e exigiu que freqüentasse a escola do professor Zico Campos, quando eu tinha 9 anos”. Além do apoio inicial, Dona Geralda sempre incentivou o trabalho musical do filho, e queria até tirar da Caderneta de Poupança um dinheiro que havia economizado para ajudar no projeto do CD. “Minha mãe festejaria muito esse disco, se estivesse aqui”.
FICHA TÉCNICA DO CD
Produção: Dalla e Ivan Corrêa
Direção Artística: Ivan Corrêa
Direção Executiva: Civuca Costa
Coordenação: Dalla
Arranjos de Base: Ivan Corrêa
Arranjos Vocais: Civuca e Dalla
Gravado e Mixado nos Estúdios Bemol/BH (1995)
Prensagem e Masterização: Sonopress/SP
Engenheiros de Gravação e Mixagem: Dirceu Cheib e Ricardo Cheib
Arte/Capa: Sílvia Araújo
Programação Visual: Paulinho Parc
Foto: Giovanni Pereira
01 – Viajar no Azul (Dalla/Wander Porto)
02 – Ray Ban (Dalla/Antônio de Pádua Silva)
03 – Natureza (Dalla)
04 – Pedras que Rolam (Marcel De Brot/Dalla)
05 – Qualquer Ruído (Dalla/Wander Porto)
06 – Rio Danado (Dalla)
07 – Blues Brasileiro (Dalla)
08 – Como Perigo (Dalla/Wander Porto)
09 – Roda do Destino (Ivan Noé Baeta/Wander Porto)
10 – Sacrifício (Dalla/Wilson Pereira)
11 – Três Potes (Dalla)
12 – Marcas do Mato (Dalla/Wander Porto)
13 – O Homem ou a Máquina (Luiz Estevez)
14 – Sempre Viva (Dalla/Dennis de Lima)
* Fonte: Texto publicado com o título “Semente que Germinou” e subtítulo “Dalla lança ‘Viajar no Azul’, um CD feito com talento, entusiasmo e determinação” na edição de dezembro de 1995 da revista Phatos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.