Lembrei-me há poucos dias… não é que eu sou um dos dois pioneiros do serviço de numeração das casas em Patos de Minas!
Foi há bastantes anos atrás. Trabalho iniciado por Ruy Correia da Costa e eu, na administração Jacques Corrêa da Costa.
Até então, a cidade aparentava uma só família, onde todos se conheciam.
Aonde fica a casa do Manezinho do Mané do Madeu? Todo mundo sabia, desde o Alto do Cruzeiro até a Fazenda do João de Souza, d’outra banda da ponte.
Todos, naquele tempo, eramos como que propriedades de pais, mães, esposos, esposas, ou até mesmo de certas coisas.
Eram o Joãozinho do Rádio, o Joãozinho da Usina, o Desto do Professor Modesto, o Tiná da Altina, o Oto e o Quinzinho do Joaquim Pintado, a Maria do Tito Silva, a Iracema do Nicomedes, a Maria do Fernandinho, o Dácio do Ilídio Pereira, o Azarias da Duca ou a Duca do Azarias, o Oswaldo do Tião Amorim, o Júlio da Maria Bruna, o Juquinha do Juca Borges, a Maria do Nonô, o Antônio e o Zaminha do Zama, o Olimpinho do Olimpão. Eu, para não fugir do sistema da antiga Patos, era conhecido como o Geraldo do Mané Luiz, residente próximo às casas da Clara do João Preto, da Joaquina do Pantaleão, da Maria do Cristininho, e do Antônio do Prego.
Mas, a cidade crescia. Havia já recebido, embora extraviado, o primeiro avião, e o primeiro rádio que atraía gente de muitas bandas para ouvir seus programas, das 6 às 8 da noite, no Bar Ponto Chic, o qual era ligado somente pelo Ary, irmão do Joãozinho da Ambrosina.
Com uma trena e um caderno, Ruy e eu íamos de rua em rua, de casa em casa, realizando a competente medição, anotando tudo para o afixamento das primeiras placas numerativas. Foi aquele o meu primeiro emprego, público, de efêmera duração.
E, se relembro o episódio, é porque agora tenho a atenção despertada para a “Carta do Paranaíba”, documento emanado da FUCAP – Fundação Cultural do Alto Paranaíba, presidida por esse altruísta, que é João Marcos Pacheco.
Mas, permitam-me para complementar o alinhavo de ambas as coisas – meu primeiro emprego e FUCAP, voltar aos dias de meu entra-e-sai na Velha Prefeitura. Certa feita, indo levar alguns papéis para o secretário Athaualpa Dias Maciel, fui dar em uma sala com quadros dependurados. Retratos dos patriarcas do Município. Lá estavam, solenes, impondo-me o maior respeito, aqueles dos quais tinha eu ouvido falar, através das aulas de dona Ângela Mourão, dona Tiola Vilela, dona Maria di Napoli, e outras santas do meu particular devocionário.
Aqui, o primeiro Chefe do Executivo Municipal, Major Jerônimo Dias Maciel, governou o município por vários anos, elaborador do primeiro código de posturas municipais. Documento do qual guardo o original – um repositório de alta sabedoria e discernimento administrativo. Ao lado, na parede, Antônio Dias Maciel. Governou Santo Antônio dos Patos, entre 1873 e 1878. A seguir, Daniel Alves Belluco, irmão do Padre Getúlio, marcando uma época – 1878/1881 – em que a família Vaz de Mello deu um governante ao Município. Era filho de José Alves Pinto e dona Ana Vaz de Mello. Aqui, o retrato de um Borges no poder municipal: o venerando Bernardino Antônio Borges, patriarca de grande e honrada família.
Outra figura familiar, compondo a galeria: Marcolino Ferreira de Barros, cujo 50.º ano de falecimento, completado a 24 de maio do ano passado, permaneceu no esquecimento.
Ausentes, na galeria estavam Olegário Dias Maciel e Antônio Zacharias da Silva¹, governos municipais, o primeiro em três períodos: 1883/1886, 1892/1894 e 1907; o segundo, 1887/1890 e, como intendente, entre 1890/1891. Em minha memória ficaram gravadas aquelas veneráveis imagens. De homens que, dada a diferenciação denominativa de seus títulos, foram presidentes das primeiras Câmaras Municipais de Santo Antônio dos Patos e Chefes do Executivo Municipal. Lá estavam eles, retratos numa parede. Singelas homenagens do município que, com probidade e sacrifício, haviam governado em outros tempos. Alguns, com seus nomes em ruas. Outros, nem retrato, nem nome em via pública.
Folheio a heroica “A Debulha”. À folhas tantas, a “Carta do Paranaíba”, resultante do trabalho de uma entidade que chegou, em 1983, com a disposição de trabalhar pela cultura no Alto Paranaíba. Que suas diretrizes não sejam distorcidas, é a esperança desta tão querida região.
Que a FUCAP tenha em conta que, ecologia e conservacionismo, equivalências terminológicas, se integram de maneira viva e atual no panorama cultural. Que a Fundação procure fazer germinar uma conscientização vigilante em torno do que ainda resta da exuberante natureza que outrora emoldurava a nossa cidade. Cujo maior desrespeito recebeu com a insensata derrubada da Mata do Juca Santana, Mata da Caixa D’água, depois Mata do Tonheco.
Tenha em conta a FUCAP que, em Patos de Minas, temos muito a conservar, no que diz respeito a alguns prédios. Uma lei criando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Municipal de Patos de Minas, agora, seria oportuníssima. Para tanto, oferecemos nossa desinteressada e apolítica colaboração. Assim, no futuro não teremos a lamentar coisas errôneas, como a demolição da primitiva Matriz de Santo Antônio, templo singelo, que em sua nave e adro guardava os restos mortais dos pioneiros do município.
Vasculhe a FUCAP o que está publicado, quanto a memória histórica de Patos de Minas. Com os dados que hão de constatar, exija que se comece a fazer justiça àqueles injustiçados da memória histórica de nossa terra. Que o Patriarca de nossa emancipação política, Antônio José dos Santos, o Formiguinha tenha, ao lado de tantas e antigas figuras populares, seu nome em uma rua qualquer. E o nome do Padre Manoel de Brito Freire e Vasconcelos (não é o Padre Manoel de Brito, não), primeiro assistente espiritual no distrito de Santo Antônio da Beira do Rio Paranaíba, tenha seu nome lembrado, seja lá em que ponto for.
Em 1989 completam-se os 100 anos da introdução do protestantismo em Patos de Minas, pelo casal John Thomas e Eliza Jane Smith. Não seria o caso de entrarmos em entendimento com a embaixada americana, ou com a alta direção americana da Igreja Presbiteriana, a fim de que sejam levantados os dados biográficos de ambos, e que daqui há cinco anos possamos solenizar a data, inclusive dando o nome de Miss Smith a uma rua, já que a mesma por 10 anos viveu em nossa terra, e foi a primeira orientadora da Escola Municipal do Sexo Feminino de Santo Antônio dos Patos.
E Francisco de Paulo e Souza Bretas, primeiro professor de uma escola oficial em Patos, autor do documento pedido a Assembléia Legislativa Provincial a independência do distrito de Santo Antônio de Patos, por que ficou no olvido?
Um povo sem memória, é um povo sem raízes.
Complementando as pesquisas para o nosso livro – “Domínios de Pecuários e Enxadachins” – História de Patos de Minas, em 1974, programei a inclusão, na parte iconográfica do trabalho, dos retratos de todos os chefes do Executivo e Prefeitos Municipais de Patos de Minas. Procurei, então, os quadros que sabia eu existentes na Prefeitura Municipal. Aquela mesma galeria que um dia merecera alguns momentos da minha devoção cívica. Lá não estavam. De indagação em indagação, fui parar em um galpão da Prefeitura, prá lá do Cemitério. Espalhados, aqui e acolá, com as molduras carcomidas pelo caruncho, sem os vidros, cobertos de poeira e com visíveis estragos feitos pelas goteiras, já jaziam sessenta e dois anos da administração municipal – de 1868 a 1930 – atirados às traças, aos ratos, aos carunchos, recebendo as goteiras de muitos temporais.
Os patriarcas, das famílias que por alguns anos timonearam o município – Maciel, Borges, Vaz de Mello, de Jerônimo Dias Maciel até Marcolino Ferreira de Barros, foram por mim levados ao artista Chilon Gonçalves, a fim de se tentar algumas reproduções. Feitas, foram inseridas no livro “Domínios de Pecuários e Enxadachins”. Sem retoques. Com as manchas provocadas pelas chuvas, foram elas reproduzidas. Abram o livro, aqueles que hoje se propõem a discutir e a defender a nossa esquecida cultura, os componentes da FUCAP – e sugiram ao atual Prefeito, que soubemos ser homem dinâmico e voltado para a cultura, para a justiça, que faça voltar ao lugar de honra, que a eles cabe como patriarcas de nossa terra, os retratos dos administradores do município, desde sua criação até Clarimundo José da Fonseca Sobrinho.
Nunca é tarde demais para lavar a vergonha cívica que atinge homens de boa vontade. Muitos dos quais integrando a promissora FUCAP – Fundação Cultural do Alto Paranaíba. Vergonha cívica de um povo que, impassível, vê sua memória histórica ser soterrada pela insensibilidade emanada da ignorância.
* 1: O Dr. Antônio Zacarias Álvares da Silva, ocupou posteriormente, uma cadeira na Câmara Federal, até seu falecimento, tendo sido colega de bancada do Dr. Olegário Dias Maciel.
* Fonte: Texto publicado na edição n.º 82 de 15 de dezembro de 1983 da revista A Debulha, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH)do Unipam.
* Foto 1: Casa Gotte na década de 1900, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho.
* Foto 2: Jerônimo Dias Maciel, do livro Domínio de Pecuários e Enxadechins, de Geraldo Fonseca.
* Foto 3: Largo da Matriz na década de 1910, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho.