Um dos últimos números da quase centenária “Revista do Arquivo Público Mineiro” é, integralmente, dedicado à publicação de interessantes documentos sobre o movimento revolucionário de 1930.
Relaciona a publicação telegramas, relatórios e outros papéis, sem tecer comentários, tarefa que fica por conta do curioso, do historiador, do jornalista.
Patos, que naquele tempo não grafava que era “de Minas”, dá presença com uns poucos papéis. Curiosíssimos documentos para os de hoje, dos quais trataremos linhas à frente.
Explosão de um tumor maligno, em cujo recheio fermentava a podridão eleitoreira, a revolução de 1930, no que diz respeito a Minas Gerais, começou a ser, em definitivo, tramada em Patos. Exatamente na casa do Dr. Olegário Dias Maciel, fronteira à Escola Normal. Eleito para o quadriênio governativo de Minas, de 1930 a 1934, o presidente descansava em Patos. A 25 de junho de 1930, de Belo Horizonte saem, para com ele se entrevistarem, os senhores Odilon Braga e Fábio Andrade. Levavam os emissários informações sobre a situação no Estado. Naquele mês haviam sucedido fatos importantes, como, entre outros, o começo do aliciamento de oficiais das guarnições federais de Minas para a revolta em franca incubação.
Queriam, muitos, a explosão revoltosa ainda no governo de Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, que terminaria a 7 de setembro de 1930. O Rio Grande do Sul forçava a situação. Primeiramente escolhera o dia 26 de agosto. A 29 de agosto, em rádio ao Dr. Virgílio de Melo Franco, dizia Mário Brant acerca dos secretários do futuro Governo Olegário Maciel: “são de opinião que Minas deve limitar-se apenas à defensiva, caso atacada”.
Regressando a Belo Horizonte, Odilon Braga e Fábio Andrada, levaram a resposta de Olegário. Que ele, pessoalmente, encampava os compromissos do presidente Antônio Carlos. Aurino Moraes, em “Minas na Aliança Liberal e na Revolução”, observa que “a índole cordata e as normas ponderadas do Presidente durante a sua larga vida política eram, aos olhos do Catete um penhor de paz e tranquilidade. Além disto, o sucessor do Sr. Antônio Carlos foi de uma grande habilidade na escolha de seus secretários de governo”. Os mesmos que, ponderadamente, achavam que Minas devia limitar-se apenas à defensiva. As diversas pastas estavam assim ocupadas: Interior, Christiano Machado; Finanças, Carneiro de Rezende; Agricultura, Alaor Prata; Educação, Levindo Coelho.
Inflexível em seus compromissos, Olegário Maciel soube honrar o pacto de Minas e Rio Grande do Sul. A 11 de setembro, quando os gaúchos concluíram a sua articulação e julgaram possível marcar data certa para a revolução, decidiram que, diante das dificuldades e deficiência de comunicação cifradas, pelo rádio, e ainda porque nem todos os elementos do sul conheciam pessoalmente a opinião do Sr. Olegário Maciel, um emissário se avistasse com o Presidente Mineiro. Quem reporta a passagem é Aurino Moraes.
O encarregado dessa missão foi Lindolpho Collor. Assim Aurino Moraes descreve a entrevista:
“Em Minas Gerais o Sr. Collor teve sua primeira entrevista com o Sr. Olegário Maciel. Descreveu, pormenorizadamente, todo o plano organizado para o sul. Falou da ligação com o Norte, onde estava Juarez Távora, e concluiu sua exposição entusiástica sem que o presidente nada falasse, apenas acompanhando as indicações que o Sr. Collor fazia sobre um mapa. O silêncio do velho mineiro causou espécie ao emissário dos pampas, que terminou por lhe perguntar se faltava alguma medida a ser tomada, ou se as que haviam sido consideradas eram suficientes”.
– Falta algo mais, Senhor Presidente? – indagou Collor.
– Falta sim – respondeu o Presidente. Marcar dia e hora.
EM PATOS
Não sendo nosso propósito fazer uma sinopse do movimento revolucionário, e sim dar atenção aos documentos que encontramos no Arquivo Público Mineiro, façamos em retroagimento a Patos de 1930.
Estourada a revolução no dia 3 de outubro, de imediato o Coronel Quintino Vargas aparecia em Patos, fazendo várias requisições de caminhões e automóveis. Como seu representante, deixou na cidade o capitão Alfredo Moreira da Silva.
Quanto a algumas centenas de pés nas estradas, sobre o caso nem é preciso delongar. Ninguém estava para ser engajado e, caso desse com as brecas, ser costurado pelas balas das “Hotkiss”. Foi um tal de sumir gente a pescar no Rio da Prata, ou ir para o garimpo. Aliás, temos alguns documentos comprobatórios de que, já na guerra com o Paraguai, a antiga Santo Antônio dos Patos não pôde apresentar “designados”. Os designáveis, pura e simplesmente, deram nos pés. Mesmo assim, em 1930, tivemos bastantes voluntários.
Os documentos citados pela revista do Arquivo, são, nada mais do que cobranças de comerciantes e particulares, ao governo, por mercadorias e serviços prestados à revolução.
CASA DO HUGO
Assim, a 10 de outubro de 1930, a Casa do Hugo, de Hugo José de Souza, Praça da Matriz, ao lado do Grupo Escolar, emitia a seguinte nota de débito:
1 peça de brim Kaki com 29,50 ms a 4$000 – 118$000
1 peça de brim Kaki com 41, 40 ms a 4$000 – 198$700
1 peça de brim Kaki com 27,30 ms a 4$000 – 131$000
1 pela de brim Kaki com 42,50 ms a 5$000 – 212$500
1 peça de brim Kaki com 30 ms a 2$500 – 75$000
3 Chapéus de lebre p/ homem a 3$500 – 93$000
SOMA TOTAL – Reis…………… 828$200
Na mesma nota, ao pé, vem o seguinte: “Requisito por conta do Governo do Estado de Minas Gerais Revolucionário, as mercadorias acima descritas, para fardar diversos engajados (sic). Cidade de Patos, 10 de outubro de 1930. Capitão Alfredo Moreira da Silva. Recebi as mercadorias constantes da presente fatura. Patos, 10 de outubro de 1930. Capitão Alfredo Moreira da Silva”.
Bem no final da nota, impresso, vem este alerta do atilado comerciante que foi o falecido Hugo José de Souza: “É preciso que venha saldar sua conta atrasada, ou então assinar uma duplicata, de acordo com a lei das contas assinadas”.
PATOS, 1930
Para quem não viveu a época e para reavivar um pouco a memória do passado, entremos em alguns espaços de Patos em 1930.
Dizem que, quando chegou a notícia da revolução estourada, o Lourenço Gato, pedidor de esmola bem organizado – tanto que controlava, em média, cinco “pedideiras” que saiam aos sábados, único dia permitido para o esmolér nas ruas na Patos antiga – saiu anunciando esquina aqui, quebrada acolá: “Estourou a guerra entre os de baixo e os de cima”. Com isso, o Gatinho (como também era chamado) queria dizer, na sua ignorância, que a luta era entre Borges, os de baixo, e Maciéis, os de cima. Explicitamente, naquele tempo, uma linha divisória política que não se sabe definida por quem, cortava a cidade pela Rua General Osório. Quem residia de um lado da mesma para baixo, até a rua da Josephina era considerado “de baixo”, dos Borges. Na outra parte, até os limites do campo de bola da Chapada, domínio dos “de cima”, os Maciéis.
A gente que morava na Beira da Lagoa, e os que moravam na Várzea e no Patrimônio (depois Brasil), ficava partida, entre as facções políticas dos chefes Deiró Eunápio Borges e Farnese Dias Maciel.
O cinema Magalhães, por ser do coronel Arthur, cunhado de Olegário Maciel, perdia parte do público. Daí, o coronel Juca Santana ter construído o cinema Glória, exatamente na Rua General Osório, onde, depois, seria instalada a exposição de móveis dos artistas de marcenaria, os Irmãos Carvalho. Dizem até mesmo que Oscar Rodarte tentou um cinema para público dos dois lados políticos, junto à casa do Dr. Olegário. A sessão às quintas-feiras começava depois que o empresário soltava três foguetes de rabo, fabricados pelo pirotécnico Armênio Camilo da Cruz, e emitia três toques de sirena: longo, médio e curto.
Mas, voltemos ao fio solto de nossa narrativa…
O CAMINHÃO DO ITAGYBA CAIXETA
A requisição, seca e autoritária, traz a data de 12 de outubro de 1930, assinada em Patos pelo Coronel Quintino Vargas. Assim redigida:
“Forças Revolucionárias
Sr. Itagyba Caixeta
Requisito-vos em nome do Governo Revolucionário o auto caminhão de sua propriedade, a fim de transportar as forças que seguem em operação de combate”.
“Recebi o objecto acima”. “Quintino Vargas”.
“Trabalhou com o carro 11 dias e 20 com chaffeur contractado”.
Anexo, vem um requerimento datado de 8 de fevereiro de 1933, quase três anos passados, assinado pelo advogado Gualter Gontijo Maciel, dirigido ao Secretário do Interior e Comandante Geral da Força Pública, assim:
“Itagyba Caixeta, por seu procurador abaixo assinado, vem requerer a V. Excia., o pagamento da importância de 1.350,000, por serviços prestados por seu caminhão e respectivo chauffer, conforme consta da requisição e facturas anexas, durante o movimento reacionário de 9 de julho”. (A petição traz uma baita interrogação do setor governamental, juntamente no cochilo de Gualter Gontijo, que cita o 9 de julho, quando a revolução em Minas começou a 3 de outubro)
Por fim, vem a nota de Itagyba Caixeta, assim:
“1930
Outubro 12 – 11 Dias de Serviços, chauffer e caminhão a 50$000….. 550$000
Outubro 23 – 20 Dias de serviços do caminhão somente a 35$000….. 800$000
TOTAL……………… 1.350$000
(Um conto trezentos e cincoenta mil réis)
Patos, 4 de fevereiro de 1933
Itagyba Caixeta”
Desconhece-se o desfecho da cobrança. Fica porém, uma interrogação: por que o atrazo em saldar o compromisso, visto Minas estar sendo governada por Olegário Maciel, que se considerava filho de Patos?
Junto, ainda, notas de compras ou requisições do Major Alfredo Moreira da Silva, delegado de polícia especial, feitas à Casa Gotte, de Amadeus Dias Maciel: Pneus Royal-Cord e Michelin, chapéus de lebre, 20 litros de gasolina a 30$000 e 180$000 em dinheiro para viagem de voluntários. Outra, de José Rangel, declarando que o auto caminhão Chevrolet tipo 1929, de seis cilindros, motor n.º 762607, placa n.º 33, pertencente ao Sr. Florentino Araújo e Souza, foi consertado em sua oficina e entregue àquele senhor, por ordem do Sr. Quintino Vargas, de Paracatú, em 12 de janeiro de 1931. A declaração é de 6 de janeiro de 1932, feita a fim de instruir cobrança, prejudicada por falta de outros dados.
Outro que entra com pedido de pagamento, a 12 de novembro de 1932, através dos advogados Necesio Tavares e Augusto Couto, é João Miguel de Oliveira. Quer receber a quantia de 466$600, proveniente de transporte de forças policiais, de Catiara a Patos, no período de 5 a 23 de outubro de 1930. Zama Almes Pereira, comerciante, estabelecido no Largo do Rosário com esquina João Pinheiro, também quer receber 428$400 por seis dúzias de botões de osso, 13 pares de botinas, e vinte e nove metros de pano vermelho, para lenços distintos. Em uma de suas notas, ao pé, vem esta declaração:
“Como presidente da Câmara Municipal de Patos, e da Junta Revolucionária, no período de 3 de outubro a 24 do mesmo mês, declaro que os objetos constantes da relação acima foram fornecidos para os engajados (sic) feitos por este Município, conforme autorização do Governo do Estado. Patos, 31 de março de 1931. Marcolino de Barros”.
Mais uma requisição. Do caminhão n.º 15, de Benedito Caixeta, “para sob sua direção conduzir soldados para Sacramento, num percurso de 520 quilômetros, sendo a gasolina e óleo fornecidos por esta delegacia”. Datado de Patos, 8 de outubro de 1930, e assinado pelo Capitão Alfredo Moreira da Silva. É de se notar que em algumas notas o delegado especial assina major.
DUQUE, O REVOLUCIONÁRIO
Bolivar de Barros, figura venerável de Patos de Minas, permite-nos fechar este curioso apanhado de notas. Pois, naqueles dias de 1930, o Duque do João de Barros, não só serviu a coluna revoltosa “Arthur Bernardes”, com seu caminhão, como também acompanhou na invasão e tomada de Goiaz.
É o que se contém no seguinte requerimento, que Bolivar de Barros dirigiu de Patos, a 26 de fevereiro de 1931, ao Secretário das Finanças do Estado de Minas Gerais:
“BOLIVAR DE BARROS, chauffeur, residente nesta cidade, TENHO SERVIDO E ACOMPANHADO A COLUMNA “ARTHUR BERBARDES” NA INVASÃO E TOMADA DE GOYAZ, DIRIGINDO UM CAMINHÃO DE SUA PROPRIEDADE (maiúsculas nossas), vem requerer a V. Excia. determine lhe seja paga a importância de um conto duzentos e cincoenta e nove mil e duzentos réis (1.259$200), o quanto necessita para effectuar os concertos no seu carro, segundo o orçamento que a esta acompanha. Pede que o pagamento seja feito pela collectoria local. Termos em que P. e E.R.M.”.
Seria bom um pouco mais de atenção ao texto do requerimento. Àquela parte que espelha o desprendimento do requerente e, por que não, seu espírito de revolucionário autêntico. O Duque não solicita indenização pelo aluguel de seu auto caminhão. Quer, apenas, o dinheiro para efetuar os consertos.
* Fonte: Texto do historiador Geraldo Fonseca publicado na edição n.º 78 de 15 de outubro de 1983 da revista A Debulha, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
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