TEXTO: FERNANDO BORGES DE ANDRADE (2014)
Com o falecimento de D. Duca de Júlio Bruno, chega ao fim o ciclo dos moradores mais antigos da Praça Antônio Dias. Para um grupo de meninos dos anos 40 e 50 a Praça era apenas o “larguinho”. Futebol diário, bola de gude, pião, tento, soltura de papagaios (pipas).
Havia grama em toda sua extensão, com traves improvisadas. O guardião da bola de capotão, adquirida mediante vaquinha, era o Breno (D. Henriqueta/Aurélio Caixeta). Demais titulares: Hélio e Evânio (Dona Santinha/Augusto Queiroz); Manoelzinho (D. Matilde/Oscarzinho Mendonça); Fernando (D. Yolanda/Joãozinho Andrade); João Tarzan (D. Maria/Joãozinho Rocha); Sidônio (D. Mariinha/Anésio Rocha); Antônio e Francisco (D. Duca/Júlio Bruno). Eventuais mais frequentes: Turú (dos Carvalho); Vinício (afilhado de Monsenhor Fleury); Orlando (de Zé Pistitiu); Damião (dos Ambrosio).
Saltávamos dos “embiriu” do brejo, depois Mamoré, hoje Bretas, para o quintal do Sr. Limirio Amâncio, cujas laranjas eram mais doces que as demais. O bravo Limírio nos ameaçava com sua “carabina”, jamais atirando. Seu filho Abel fiscalizava espontaneamente a Praça, quando da primeira urbanização, impedindo fosse depredada.
O campinho, embora reduzido, resistia. Confeccionávamos nossas pipas que tinham que subir mais alto que as dos meninos da vizinha Praça da Distribuidora. Recebíamos encantados os circos e parques de diversão que chegavam, como se nós é que autorizássemos sua instalação. Levávamos água potável para os artistas, em troca de bilhetes, para aplaudir das arquibancadas a magia dos palhaços e malabaristas. Em último caso, comandados pela ousadia do João Tarzan, passávamos por debaixo da lona.
Duas lojas dominavam o comércio local: A do Júlio Bruno e a “Casa do Joãozinho”. Os meninos de D. Duca apostavam com os de D. Yolanda aonde parariam mais cavalos. Os de D. Santinha não sabiam para quem torcer, se para os primos de um lado ou para os amigos quase irmãos do outro.
As rabeiras que pegávamos nos carros de boi, que despejavam produtos rurais no nosso gramado, iam até a isolada casa do sineiro Morais, no sopé do futuro morro dos maristas. Em um canto da Praça reinava D. Ducha, presente com os seus. O primo Salvador Andrade, para inveja da meninada, viaja Brasil afora com um dos circos, atraído por prendada trapezista. No banco de D. Amélia Melo, à tardinha, a reunião das senhoras locais para comentar as novidades. Há! Se o banco de D. Amélia falasse!… Um detalhe: Nele tinha assento especial o velho João Ambrósio, que todos respeitavam.
D. Mariinha, com um cabo de vassoura, persegue o filho rueiro: ”Passa p’ra dentro, Dônio!!”.Nosso saudoso Sidônio. Ela se espantava que, com um longo “Pssiu”, D. Yolanda pusesse seus borginhos enfileirados no rumo de casa.
De repente, chegou o progresso: A Rua Major Gote, não satisfeita com sua grandeza, lança uma alça de asfalto no coração da velha Praça, nocauteando-a. Possantes motos abrem, impunemente, dia e noite, seus escapamentos estridentes, torturando moradores e pedestres. Anos atrás, nosso primeiro sono era embalado pelo talento musical da família Bernardes, com a qual alguns de nós, inclusive meu irmão João Batista e eu, praticávamos solfejo. Já as primeiras letras nos eram ensinadas na Escola Madalena Maria, onde agora o Antares.
D. Duca, mulher forte, embaixadora centenária e última representante da velha guarda da Praça Antônio Dias, diga a seus parentes, amigos e vizinhos, que igualmente nos deixaram, diga, por nós, a eles, de nossa saudade “matadeira” dos tempos idos! Tive, porém, um sonho: Todos nos encontraremos um dia, em amplo e inteiro espaço de linda estrela, pois não terá sido por acaso que convivemos harmoniosamente, por tantos anos, em romântica Praça de uma cidade privilegiada.
* Fonte: Texto publicado na edição de 10 de maio de 2014 do jornal Folha Patense.
* Foto: gartic.com.br, meramente ilustrativa.
* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.