Vós habitais um quarto pobre, misturado à vida. (Antonin Artaud)
Na minha mera e já quase velha opinião
os poetas sábios, demasiadamente sábios,
desaprenderam a inocência e o espanto,
e por isso, de fato, sabem tão pouco:
sequer suspeitam a impronunciável,
contudo plena arte de respirar.
Vêm e nos dão um embrulho
talvez belo, certamente bem feito,
sem a laçada e o papel-estampa
(afinal, é sempre outra a moda);
porém, abrimo-lo e o sabemos vazio:
guardaram-se, avaros, do lado de fora,
polícias disfarçados de poetas
olhando-se com temeroso respeito,
também sem grana para o pão
e comprando na página branca o céu
e que assim passam – muito bem.
Quanto a mim, venho seguindo o fio frágil
tecido de sonho, medo e oxigênio
e sinceramente confesso nunca saber
para onde este fio me conduz e me perde;
não me detive a falar com pedras
no lugar de ouvir estrelas,
mas me pus a indagar o corpo, a vida,
o universo desmedido que em mim coube
ou antes, a vida, o corpo, puseram-se
a andar também no que, incerto, escrevo.
Roubo ao acaso, à zona de sombra,
aos meus próprios e alheios gestos
a mínima letra, pobre iluminura
que não se basta, mas borda o escuro.
E se a obra é, de antemão, inconclusa,
talvez nasça disso o vero voo,
talvez seja necessário – mas isso não
é lei, não há lei – não ser tão sábio
para um dia, quem sabe, compreender
que a poesia, esta sempre outra coisa,
não é nem a mosca nem o zênite,
porém os dois juntos, amantes,
ampulheta em infinita entrega,
plena de risos, lágrimas e… minutos.
Mais valioso que um tesouro
ao cabo de um mapa de palavras
julgo ser qualquer diário achado,
seja em linguagem de adolescente
ou na de um velho cuja caduquice
inclui saber latim e grego
e que, ainda tímido, se abeira do fim
falando a outros, às vezes jovens, mortos.
Assim, aqui estou – nu, inaugural
e, sujando com o pulso o silêncio, aqui está,
brilhando de merda, êxtase e sangue,
bailando entre o espírito e o espirro,
eternamente escrita e improvisada,
a minha, leitor, a tua? a alheia,
a agora liberta e nenhuma biografia.