As inundações de Belo Horizonte, onde um ribeirão de águas parcas e porcas transformou-se num rio caudaloso e violento, “Hulk” fluvial que espalhou a destruição e morte ao longo da cidade, tingindo de luto o alvorecer do ano, deviam servir de instigante alerta às autoridades e ao povo de Patos de Minas, no sentido de evitar uma tragédia análoga em nossa terra.
Alarmado com o volume e a fúria das águas da maior enchente de Belo Horizonte, todos a acreditaram consequentemente provocada pela maior tempestade abatida sobre a Capital.
Não foi.
Em 1968, segundo o Serviço de Meteorologia, houve uma chuvarada ainda mais forte – embora com estragos incomparavelmente menores. Como é possível? Simples: a área impermeabilizada de Belo Horizonte, representada por edificações e calçamentos, agiganta-se ano a ano, reduzindo – na proporção inversa – a área onde parte das águas das chuvas pode ser absorvida pelo próprio chão. Em consequência, há um percentual cada vez maior de águas pluviais correndo diretamente para o Arrudas e seus afluentes, com o fatal agravamento do risco de inundações.
A mesma coisa, em escala menor, vem ocorrendo em Patos – ante a mesma passividade geral.
Mas notem que Patos, incomparavelmente menor do que Belo Horizonte, é banhada por um rio incomparavelmente maior do que o Arrudas. Por isso mesmo, o ideal é que nos conservemos a uma prudente distância de suas margens, como fizemos ao longo de várias gerações, para tranquilidade de todos. Assim, nas grandes cheias o Paranaíba saltava de seu leito e assumia proporções amazônicas, deixando a cidade ilhada, pelo bloqueio da única estrada que nos ligava ao sul, mas nenhuma família sem teto.
O singelo segredo disso é que ninguém erguia casas onde a enchente já cobrira – e todos conheciam de sobra as marcas da última grande inundação.
Este sábio comportamento foi quebrado em meados da década de 50, quando um prefeito, certamente forrado de boa intensão, mas desavisado sobre as perigosas consequências de seu gesto, estimulou a ocupação de uma área demasiado próxima do rio, a Vila Operária, cuja parte mais baixa representa hoje o ponto mais crítico da cidade, em termos de segurança.
São pontos críticos também as margens do córrego do Monjolo, do ribeirão da Fábrica e até mesmo do pequeno córrego da Cadeia, como demonstrou a casa levada por suas águas há poucos dias. Embora com menor risco, a antiga Lagoa Grande também se constitui num ponto crítico. Mas creio que sua urbanização, que sinceramente espero ver concluída na próxima administração, certamente eliminará esse problema.
A propósito, até compreendo a desordenada e ilegal ocupação das margens do Córrego do Monjolo, nas cercanias do centro, por famílias humildes. Mas não entendo nem perdôo a aprovação, pela Prefeitura, de um loteamento como o “Jardim Paulistano”, boa parte situado dentro da faixa alagável do Ribeirão da Fábrica – contra a qual eu tanto me bati à época, pelo rádio, pelos jornais e pessoalmente, alertando sobre os riscos de futuras inundações. Como também não entendo nem perdôo a aprovação de um conjunto de seis casas de alvenaria, à beira do córrego do Monjolo, próximo ao início da Avenida Brasil, em cima de uma das pistas da avenida sanitária, homologada pela própria municipalidade. Logo, comprometendo ou retardando a possibilidade de recuperação da área, com a abertura dessa avenida.
Em benefício da cidade e segurança de todos, o que se impõe, urgentemente, é a delimitação das faixas alagáveis do Paranaíba, do Ribeirão da Fábrica, do Córrego do Monjolo, do Córrego da Cadeia e onde mais se fizer necessário, mediante lei aprovada pela nossa Câmara de Vereadores e a fixação dos limites, com marcos visíveis e duradouros. A partir de então ficarão terminantemente proibidas as edificações dentro dessas faixas e condenadas as existentes – sem prejuízos para seus moradores.
Para evitar esses prejuízos e acelerar o processo de limpeza dos pontos mais críticos, a Prefeitura de Patos pode tentar obter a ajuda do Banco Nacional de Habitação, através de programa para esse fim e que será aplicado em Belo Horizonte, para abrigar os infelizes ribeirinhos do Arrudas.
* Fonte: Texto publicado na edição n.º 62 da revista A Debulha de 31 de janeiro de 1983, do arquivo do Laboratório de História do Unipam.
* Foto: Presenteparahomem.com.