ARTHUR THOMAZ DE MAGALHÃES

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3 - CópiaInicio a resumida biografia de Arthur Magalhães com os dados obtidos através dos escritos do Professor Júlio César: “Coronel Artur Magalhães nasceu em Patos de Minas em 1860. Edificou um prédio destinado a espetáculo cinematográficos, ainda no tempo do cinema mudo. Em 10 de maio de 1913, inaugurava-se em Patos a primeira casa para exibição de filmes, o Cinema Magalhães, com capacidade para 300 espectadores. Em 1933, Artur Magalhães inaugurava na cidade o cinema sonoro, outra maravilha da época. Foi vereador, de 1916 a 1919. Faleceu em Patos de Minas, a 18 de maio de 1949, aos 89 anos”.  RESENDE, Júlio César, Logradouros públicos de Patos de Minas, 1993, p. 32.

Todas as crianças da nossa pequena cidade gostavam dele. Generoso, aquele vetusto senhor comprava as balinhas açucaradas, carregava-as nos bolsos de seu paletó, distribuindo-as àqueles que as pedissem. Pela manhã lá ia tio Arthur subindo a Rua Olegário Maciel, sempre vestindo terno escuro e colete, com destino à esquina da Rua Major Gote, em sua caminhada costumeira. Após cumprimentar os amigos retornava à sua residência, situada, hoje, ao lado do Sistema Clube de Rádio. Sua casa era grande, para os padrões da época, com belo quintal. Aos domingos eu acompanhava vovô (Amadeu Maciel), em visita à sua irmã Olinta, esposa de tio Arthur. Lembro-me bem dela, vestido escuro, longo e sobre suas costas um xale preto, que hoje está tão na moda. O casal teve duas filhas: Zamita, casada com o médico, Dr. Laudelino Gomes, goiano, sem filhos e Dalca (Tonha) casada com o Dr. Anísio Assumpção, também médico, hoje com numerosos descendentes. Em tributo ao ativo e labutador patense, os poderes legislativo e executivo da cidade resolveram nominar uma extensa rua que percorre os bairros Nova Floresta, Novo Horizonte, Alto da Colina e Aquárius de “Rua Artur Magalhães”. Tio Arthur era pessoa muito conhecida e querida por todos aqui em Patos, principalmente pelos episódios surgidos em sua longa vida. Abaixo, quatro relatos sobre seus procedimentos bem característicos, sem maiores preocupações com a ordem sequencial, sendo os três primeiros narrados pelo professor Zama Maciel.

1 – O MODERNO

Quando mais moço, na época do cinema mudo, resolveu O Coronel Arthur comprar as máquinas para exibir filmes, tornando-se o primeiro proprietário deste tipo de diversão em nossa cidade. Seus espectadores não eram numerosos, pois a população patense era escassa. Os filmes, desprovidos de quaisquer sons e, as imagens, exibidas em preto-e-branco. As pessoas amigas e também os parentes, frequentadores contumazes, possuíam lugar reservado nas poltronas. Não era permitido que outros espectadores tivessem assento nas cadeiras previamente designadas. Salas cheias só mesmo aos domingos. Considerando-se que as fitas exibidas possuíam apenas imagens, era imprescindível que houvesse um conjunto musical que emitisse o tão necessário som. Consta-me que um dos músicos era o maestro Randolfo, que comandava os seus parceiros.

As películas eram remetidas pela via férrea, alcançando a estação de Catiara. De lá chegavam a cidade de Patos conduzidas pelos poucos e deficientes veículos de cargas. Quando havia enchentes nos rios, notadamente o Paranaíba, os filmes não alcançavam seu destino impedidos pelo transporte deficiente. A solução criada pelo Coronel Arthur para suprir tais faltas era bem inventiva, pois ele simplesmente mandava emendar os pedaços das películas já exibidas, anunciando, em um cavalete localizado na esquina, a novidade: HOJE – MISCELÃNIA. Não é difícil calcular a desordem cinematográfica no Cinema Magalhães. A plateia gracejava muito dos efeitos, saindo todos da sala de espetáculos, satisfeitos e comentando o ocorrido.

Dizem que, de certa feita, o coronel não pôde se conter e perguntou a um cidadão porque durante três vezes seguidas, assistira ao filme. A resposta foi muito interessante, pois o questionado alegou que na fita havia uma cena em que uma mulher começava a trocar de roupas e, neste momento, um comboio férreo passava sobre os trilhos, impedindo a visão da possível cena de nudez. Logo em seguida, após a passagem do trem, a artista já surgia com outro vestido. Afinal, o que desejava ardentemente o cliente do Cinema Magalhães era tão somente que o trem atrasasse e pudesse o mesmo ter sua curiosidade satisfeita.

2 – O POETA

Quando mais novo Arthur era um homem de posses. Tal situação financeira permitia que ele fizesse, com certa frequência, viagens “para fora”, ou seja, saísse de Patos e alcançasse outras cidades brasileiras. Sempre que viajava, ao chegar ao destino, telegrafava para a tia Olinta, informando-lhe o rumo que tomaria. Certo dia, em Belo Horizonte, passou o seguinte telegrama: “Sigo Rio, azedo e frio”. Só após a chegada em sua terra natal foi decodificado o conteúdo do telegrama. Ele queria dizer que estava viajando com destino ao Rio de Janeiro, sentindo-se, no momento, com muita azia e, além de tudo, a temperatura estava muito baixa, devido à chegada de uma frente fria no sudeste brasileiro. Em outra oportunidade o poeta improvisado enviou outro telegrama para sua esposa com os seguintes dizeres, facilmente interpretáveis: “Bigode fora, moço como outrora”.

73 –  COMERCIANTE

Estava o coronel Arthur com idade bem provecta. Ele acreditava, quando moço, que iria morrer cedo, pois a expectativa de vida era, então, bastante baixa. Tal pessimismo fez com que nosso personagem consumisse toda a fortuna que havia amealhado. Em razão de tal procedimento, já viúvo, não podia mais esbanjar como desejava. Tal infortúnio aborrecia-lhe bastante, pois estava sempre precisando de dinheiro. Por sorte, certa tarde, estando no alpendre de sua casa, em um nível mais elevado que a rua viu passar um “roceiro”. Chamou-o, sendo atendido imediatamente. Afinal, conseguiu o astuto comerciante convencer o interlocutor que os dois retratos que se encontravam na parede da sala eram, na realidade, dos pais dele. Depois de muita conversa conseguiu o seu intento, comprando o matuto o retrato de Arthur e Olinta como se fossem de seus pais…

4 – DESATUALIZADO

A segunda Guerra Mundial continuava ceifando a vida de milhões de pessoas. O meu irmão mais velho, Antônio Ferreira Maciel, o “teacher”, apelido resultante da sua atividade de professor de Inglês da Escola Normal, dentista dedicado e bastante interessado nos assuntos bélicos, escutava seu rádio de mesa, então com muita estática, enquanto atendia seus clientes. Começava bem cedo a trabalhar e sua lida diária ia até o início da noite. As notícias recebidas pelas ondas curtas do rádio todos os dias eram ouvidas com a máxima atenção. O assunto principal, como era de se esperar, referia-se à guerra: começava a batalha tal, os alemães venciam ou perdiam posições estratégicas. Em alguns países europeus, asiáticos e africanos estouravam as bombas lançadas pelos aviões. Os canhões rugiam em diversos locais.

Atento, determinado dia o mano embevecido com as novidades não se conteve e saiu, tão logo pôde, para apregoar a nova chocante que acabara de ouvir. A notícia era bombástica, dado à importância de uma das mais famosas personalidades da cruenta guerra – o falecimento do chefe do Terceiro Reich alemão. O acaso escolheu o Coronel Arthur para receber as novas porque ele estava bem próximo ao consultório odontológico. Ofegante, emocionado, Antônio se aproximou dele e houve o seguinte diálogo:

– Tio Arthur, o Hitler morreu, a notícia é verdadeira!

– Quem morreu? Perguntou o surdo ouvinte.

– O Hitler, tio Arthur.

A resposta foi hilária:

– Ah! Aqui ou no garimpo?

* Fonte: Texto de Newton Ferreira da Silva Maciel.

* Foto 1: De pé: Tonho e Tonha, Dr. Laudelino Gomes de Almeida e Dona Zamita, sua esposa, filha do Coronel Arthur; sentados: Dona Olinta e seu esposo, Arthur Thomaz de Magalhães. Do arquivo de Newton Ferreira da Silva Maciel.

* Foto 2: Arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, via Marialda Coury, publicada em 07/02/2013 com o título “Cine Magalhães”.

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