Mamoré, URT e Tupi, os três grandes do futebol que incendiaram as emoções do patenses nas décadas de 50 e 60, fizeram parte da carreira profissional do ex-atleta José Miguel Barbosa, hoje com 76 anos. Ele vestiu a camisa dos três clubes, e curte reviver os “anos dourados” em seu extenso acervo, onde arquiva medalhas, troféus, placas, fotos, faixas, como a da inesquecível conquista de 1956, quando o Mamoré sagrou-se o primeiro campeão oficial da cidade.
São muitas histórias; inúmeras partidas e a lembrança viva de várias delas; a memória impagável dos craques com quem jogou; o orgulho por nunca ter sido expulso de campo; e, por fim, a honra por ter tido o seu nome inserido no Estádio Bernardo Rubinger, o campo do Mamoré, cujo gramado foi batizado, em fevereiro de 2008, de José Miguel Barbosa.
A simplicidade do ex-jogador, demonstrada nesta conversa, é o reflexo de sua grandeza, como pessoa. A gratidão e o reconhecimento são marcas de sua personalidade. José Miguel é um homem de fases, cada uma com o seu especificado valor, e devida duração de tempo, tudo bem detalhado por ele. Foi o futebol nos diferentes times; a carreira profissional nos Bancos do Comércio, da Lavoura e do Brasil (neste, permaneceu por 28 anos); e a compra de uma pousada nas margens do Rio Paranaíba, onde vem dedicando tempo ao trabalho ecológico, plantando e conservando árvores.
A entrevista toca a memória e faz amantes do nosso futebol reviver idos mágicos, ou dourados, além de conhecer a história do homem que vestiu os três mantos sagrados de Patos de Minas.
Conte-nos um pouco de sua biografia.
Nasci em 12-02-1935, no município de São Gonçalo do Abaeté (MG), sou brasileiro, casado, bancário aposentado, desportista, tendo praticado futebol e natação. Casei-me com Neyde Caixeta Borges Barbosa, nascida em 17-02 e tivemos 3 filhos: Francisco Aurélio Borges Barbosa, nascido em 22-07-66; Gláucia Borges Nunes, em 02-07-69 e José Mário Borges Barbosa, em 24-07-79.
E no Banco do Brasil, foi uma vida?
A minha maior glória foi integrar-me às fileiras dos funcionários do Banco do Brasil, através de concurso público. Tomei posse em Patos de Minas, em 11-09-58, num dia de sábado, ainda costume da época. Passei também pelo Banco Comércio, em 1951 e pelo Banco da Lavoura, em 1955. Ingressado ao Banco do Brasil, cheguei à conclusão de que teria que me manter no firme propósito de bem servir ao banco e à comunidade, praticando as mais dignificantes tradições do Banco: “HONRADEZ, EFICIÊNCIA, OPEROSIDADE, SERIEDADE e COMPETÊNCIA”. Foram 28 anos de permanência nessa modelar empresa. Em contato com a natureza, desempenhei as funções de Fiscal Visitador do CREAI (Carteira de Crédito Agrícola e Industrial), por vinte anos, com total dedicação e eficiência. Convocado que fui para assumir cargo na Tesouraria, abalou-me o ânimo pela enorme responsabilidade em uma agência supridora regional. Mesmo abalado psicologicamente, procurei integrar-me à caravana dos idealistas que buscam a perfeição e a realização do bem comum. Procurei sempre servir para que pudesse imprimir sentido em minha vida. Não suportei os momentos de turbulência pelos sérios riscos no desempenho daquelas funções. De cabeça erguida e de coração aberto, chegou o momento esperado: dever cumprido. Aposentadoria assumida, com salário digno e reconfortador, despedi-me. A bem da verdade, foram anos de eficiência e dedicação. O Banco do Brasil foi instalado em Patos de Minas, no dia 12 de julho de 1942.
No futebol, primeiro foi jogador do Esporte Clube Mamoré. Como foi?
Como se sabe, o Esporte Clube Mamoré foi fundado no dia 13 de junho de 1949, no dia de Santo Antônio, padroeiro da cidade. Em 1950, já integrava a equipe infanto-juvenil com o técnico Olímpio Ezídio da Silva, “Olimpinho”. Passei por todas as categorias até a equipe principal. Minha maior alegria foi participar das decisões entre Mamoré e URT, Foi o Mamoré o primeiro Campeão oficial da cidade, em 1956, no estádio Zama Maciel. Essa história é longa e foi uma obra do destino e falaremos disso em outra oportunidade. Fomos agraciados com a faixa de “Campeão de 1956” cuja relíquia ainda guardo no meu pequeno e humilde museu. Tivemos também o direito de desfilar em carro alegórico em plena Major Gote, à noite. Esse monumento foi construído pelo Sr. Francisco Gonçalves de Carvalho, diga-se, Família Carvalho. O fundador do Esporte Clube Mamoré foi o Sr. Sargento Marcelino Brandão Silva, instrutor disciplinar do Tiro de Guerra (TG. 91) e seu primeiro presidente foi o Dr. Afonso Corrêa Borges, odontólogo e fazendeiro.
Qual foi o melhor time do Mamoré, de todos os tempos?
Em 1955 (amadores), o Mamoré foi dirigido pelo Lilito, e deu grandes alegrias com os seguintes atletas: Tonho do Roque, Joãozinho Rodrigues, Fernando Dannemann, Vado, Pezão, Dr. Fernando (Agroceres), Carrara, Amálio, Bosco, Walter Caixeta, Edson Negão, João Tarzan, Totonho Bruno, Botões, Evânio. Esquadrão muito respeitado no Alto Paranaíba. Já na década de 60 (profissionais), o esquadrão terror do Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro foi composto por: Bajoso, Moacir Santos, Chicão, Jovelino, Bené, Francisco, Paturé, Iolando, Preto, Raimundinho, Anedino, Edvar, Alceu.
Depois foi defender as cores da URT (União Recreativa dos Trabalhadores). Como foi?
Em setembro de 1959, sofri uma cirurgia no menisco do joelho direito, em Belo Horizonte, pelo médico do Atlético Mineiro, Dr. Abdo Arges, de saudosa memória. Resolvi abandonar o futebol. Foi aí que apareceu o Sr. José Carvalho, proprietário da Casa Santa Izabel, grande amigo e presidente da URT. Em rápidas palavras, entusiasmou-me e convenceu-me a voltar a praticar o futebol, porém desta feita na equipe da URT. Fui muito bem recebido, iniciando um período de recuperação e, dentro de 30 dias, já mantinha contato com a bola. Tive também um enorme incentivo de meu colega de Banco, o jovem Délcio Costa, Garrincha, com quem tive a honra de jogar até 1962.
E da URT, qual foi o melhor time?
A URT possuía uma plêiade de craques dos quais destacaram-se: Plínio Vaz, Betinho (goleiros), Fogosa, Conrado, Tonho da Nena, Jardim, Gorila, Nonó, Vadinho, Tredezini, Hélio Amorim, Farnezinho, Garrincha, Badá e outros.
Aí apareceu o Tupi na sua vida. Como foi a história?
Em 1965, já noivo, despedi-me da URT com muitas rosas e poucos espinhos. O destino me reservava outra surpresa. Foi aí que apareceu o Sr. Valmir Gomes, dono da equipe do Tupi. Queria que eu deixasse ali gravada a minha passagem. Confesso que no Tupi foi a minha melhor fase, já com 30 anos de idade. Era uma equipe coesa, sólida, aguerrida, sendo até denominada de “o vingador”. Aí permaneci até o meu casamento, em 04-09-1965. Guardo comigo grandes amigos e saudades eternas.
Faça uma seleção dos melhores jogadores do Mamoré, URT e Tupi.
Citar nomes é muito arriscado e por isso, desde já, peço desculpas pelas falhas. Destaco os seguintes: Bajoso, Tonho do Roque, Durango, Vado, Joãozinho, Carrara, Pezão, Bené, Francisco, Paturé, Iolando, Raimundinho, Anedino, Jovelino, Edvar, Dr. Fernando (Agroceres), Gleuton, Bosco, Dengoso, Mica e outros. URT, cito os seguintes: Plínio Vaz e Betinho (goleiros), Tonho da Nena, Gorila, Lico, Fernando Dannemann, Nonó, Vadinho, Hélio Amorim, Zé Maria (Broa), Garrincha, Manoelzinho, Tredezini, Preto, Natal, Barreto. Vi atuar também Tonho do Zama, Zezinho, Bonfim, João do Zama, Zé Limirio, Zé Pequeno, Clever Negrinho (irmão do Nonó), Gonzaga, Adolfo, Ló e Lili (irmãos). Tupi: Carrocha (goleiro), Carrochinha, Nenenzão, Tiãozinho, Célio, Murrudo, Pitoco, Careca, Cana, Roxa, Valdir, Ziza, Balila, Cholico, Melado, Batista, Gato, Wagner Jerônimo, Zico, Alírio, Pirola, Amadeuzinho.
Conviveu e ainda convive com jogadores? Quais?
Tenho pouco contato com jogadores da minha época. Vou citar alguns: Bolero, Nenenzão, Edvar, Pirola e Carrocha.
Existe uma história que você e mais dois jogadores conheceram as futuras esposas nos treinos do Mamoré. Como foi essa história?
Existe sim. Vejamos uma coincidência. Se você eliminar a primeira e a última letra do nome Mamoré, resultará no nome “amor”. Foi o que aconteceu entre Milton Durango e sua esposa, D. Aurita Rocha; Moacir Santos e D. Glória Bruno e também com José Miguel e D. Neyde Borges. Assistindo e aplaudindo seus ídolos em campo, o “amor” de Mamoré mais o padroeiro casamenteiro, Santo Antônio, resultaram em um final feliz para todos.
E as alegrias, no futebol, foram muitas?
O futebol, para mim, é uma paixão antiga, principalmente na minha época, denominada de “anos dourados”. Faltam-me palavras para descrever essas emoções acontecidas, as quais guardo como verdadeiros tesouros.
E as decepções, aconteceram?
As decepções fazem parte da nossa vida e, sem dúvida alguma, aconteceram. A maior delas foi perder para nosso maior rival, a URT, em pleno estádio “Waldomiro Pereira”, pelo placar humilhante de 5×1. Foi duro de acreditar. Porém surpresas alegres aconteceriam muito breve. Conquistamos o cobiçado “troféu” de primeiros campeões da cidade, em 1956, nas partidas seguintes. Foi reconfortante participar ativamente desse evento, quando consignei o gol que daria a oportunidade de disputar o caneco tão almejado. Em 13-08-2008, aniversário de 59 anos do Mamoré, a grata surpresa de ter o meu nome inserido na vida da agremiação: “Estádio Bernardo Rubinger” – gramado “José Miguel Barbosa”. Serei eternamente agradecido.
Você talvez seja a pessoa, em Patos de Minas, que tem o maior acervo sobre futebol. Com isso, ainda vive os bons momentos passados?
Realmente considero meu acervo futebolístico bastante variado. É composto de faixas, flâmulas, medalhas, placas, troféus, dezenas de fotos e quando penetro neste local, sinceramente, me envaideço, com muita honra. Contudo, o maior troféu está bem guardado no meu peito e na mente, porque jamais fui expulso de campo em toda a minha trajetória de vida. Isso para mim tem valor inestimável.
Hoje, na sua “Pousada Amantes da Natureza”, nas margens do Rio Paranaíba, o que acontece além de lazer e reflorestamento?
Logo que me aposentei, tratei de adquirir um pequeno imóvel, para tentar recompensar a destruição que causei, principalmente, nos anos 70, apoiando enormes desmatamentos de cerrados e as drenagens de imensas várzeas, tudo em nome do dinheiro, financiado pela minha empresa. Tive a felicidade de ver bandos de emas, manadas de capivaras, veados e inúmeras aves como patos, garças, socós, paturis e até antas e onças. Tento refazer o mal que pratiquei, desenvolvendo um trabalho ecológico, plantando e conservando árvores centenárias ali existentes, carinhosamente tratadas. O que mais me emociona é saber que todas foram batizadas, inclusive um frondoso ipê branco assim denominado: “Todos meus amigos, presentes e ausentes”. Portanto, você participa dessa homenagem, meu caro repórter.
Sabemos que tem costume de plantar árvores e colocar o nome dos amigos. Quantas já plantou?
Foram plantadas um número superior a 100 árvores, todas com desenvolvimento satisfatório e, realmente, batizadas. Foi a maneira que consegui para homenagear pessoas amigas tais como: autoridades civis e militares, honestos políticos, meus filhos, netos, genro e noras; nas mais diversas variedades, a saber: casuarinas, ipê de todas as cores, pau Brasil, bouganviles, jacarandás, acácias, jatobás e angás.
O que significa CIMA? Faz parte dele?
Trata-se de uma “ONG” sem fins lucrativos, apoiada pela “15.ª Cia. de Meio Ambiente e Trânsito”, sediada em Patos de Minas. A sigla significa: “Conselho Integrado do Meio Ambiente”. Visa à recuperação de nascentes, áreas degradadas por garimpos, exploração de dragas, desmatamentos diversos. Aos infratores são emitidas multas com as penalidades cabíveis, cujo capital é revertido ao meio ambiente. Sou um dos fundadores, atuando como “Fiscal Voluntário Ambiental”, com toda dedicação e orientação aos possíveis infratores. Senão vejamos: “Quando a última árvore cair derrubada, o último peixe for pescado e o último rio envenenado, só então daremos conta de que dinheiro não se come”.
Hoje, quem é José Miguel Barbosa?
Considero-me um cidadão brasileiro, patense, honesto, principalmente, e cônscio de suas responsabilidades. Avô coruja que teve sua primeira neta Iara, como Princesa Nacional do Milho, de 2009, com toda dignidade. Sinto-me realizado juntamente com minha esposa Neyde, numa sólida união e feliz por 46 anos. Finalizando, quero agradecer por esta oportunidade com a seguinte mensagem: Patos de Minas, tem o coração de ouro, incrustado num peito de ferro, terra do milho, do homem forte e da mulher bela.
* Fonte: Entrevista de Donaldo Amaro Teixeira (2012).
* Foto 1: José Miguel Barbosa, de seu arquivo.
* Foto 2: Mamoré 0 x 2 URT (07/10/1956). José Miguel é o quarto da esquerda para a direita, agachado. Do aquivo de José Miguel Barbosa.
* Foto 3: URT 3 x 0 Araxá (27/03/1960). José Miguel é o primeiro à esquerda, agachado. Do arquivo de José Miguel Barbosa.
* Foto 4: Tupi 3 x 2 URT (15/12/1963). José Miguel é o primeiro à esquerda, em pé. Do arquivo de José Miguel Barbosa.
NOTA 1: Na pergunta E da URT, qual foi o melhor time?, José Miguel afirmou a Eitel Teixeira Dannemann em fevereiro de 2014 que não deixou de fora o nome de Fernando Dannemann, um dos melhores jogadores que viu vestir a camisa da URT.
NOTA 2: Todas as fotos estão publicadas em maior tamanho na Categoria Esportes com o nome de todos os jogadores.
NOTA 3: José Miguel Barbosa faleceu em 26 de fevereiro de 2018.