O imóvel localizado à Rua José de Santana n.º 870 configura-se como um resquício material do antigo cotidiano boêmio da cidade de Patos de Minas. Encravada no espaço destinado aos boêmios de pouca renda, a casa de um certo Lázaro Preto constituía, junto aos demais comércios localizados na baixada da José de Santana, parte da Zona de Baixo Meretrício da cidade. Na década de 1970, além da baixada da Rua José de Santana, o baixo meretrício se localizava em parte das ruas Dores do Indaiá e Ouro Preto. Havia também um baixíssimo meretrício localizado na Antena, no Alto da Vila Garcia e na Vila Vicentina Padre Alaor.
Com relação à experiência sociocultural proporcionada pela vivência real e simbólica da Zona, pouco ou nada se sabe a respeito. Nem os historiadores locais se interessaram diretamente pela temática, nem os sujeitos históricos sentem-se confortáveis em reportar suas lembranças ao espaço da baixada. De acordo, por exemplo, com a lembrança do atual proprietário, o Sr. José da Silva Pereira, ele nunca foi nesses lugares fuleiros. Quando foi, foi “(…) lá cima. Num bar lá em cima. Mas foi só pra fazer farra, num foi pra nada não. Era mais brincadeira. Eu e uns amigos do Tiro de Guerra. Farra de rapazinho”.
Assim, quis uma espécie de memória transviada oficial que da Zona Boêmia de Patos de Minas ficasse, apenas, aquela frequentada pelos representantes das classes abastadas. Dentre outros, a memória destaca os políticos e suas comitivas usuais: “Ah! Não, os políticos não saía daí! Ex-prefeito B…, por exemplo. O B… foi prefeito depois: mas ali perto, era em 1966-67… eu tinha um restaurante ali perto, onde é o Palácio dos Calçados. Então ele ia com a turma dele pra lá, ele já era deputado. Então ele ia e ficava na rua e chegava lá dez, onze horas, ele dava a maior despesa porque o Suíço chegava e já pedia uma garrafa de vinho. O Suíço é um homem que já teve aqui. É um homem… instruído, muito vivido, da vida…”. E, ainda, os boiadeiros, fazendeiros vindos das redondezas: É, era os boiadeiros, que naquela época né?; vinha gente da Lagoa, São Gonçalo, João Pinheiro, fim de semana eles vinha aqui”.
É natural que deste universo no qual se gastava muito dinheiro venha à tona as lembranças mais glamourosas, reportando a um espaço-tempo e a personagens muito mais idealizados do que efetivamente reais: são belas mulheres como a Lurdinha T.V., que trabalhava no Cabaré da Brahma; a Maria Turca que, vinda de Uberaba, chegava a Patos de avião para trabalhar às segundas-feiras na casa da Ica e, ainda, Dulce, Florista, Zina, Terezinha Fogueteira, Elvira, Maria Butija, Jeni, Maria Arlete e, claro, a Maria Abadia, verdadeira amante do ofício: “E ela toda vida foi dona de casa, inclusive ela mora lá, chama Maria Abadia. A Maria Abadia eu cumi ela muitas vezes. Eu garrava ela de dia, porque ela era mulher, daquelas que homem nenhum… Ela ficava com um, com outro por prazer, você entendeu. Ela tinha uma pele, era uma mulher muito bonita. Quando Nelson Gonçalves veio a primeira vez em Patos, ficou com ela”.
Sabe-se que em uma das vindas de Nélson Gonçalves a Patos de Minas, o cantor fez um show em um cabaré. No entanto, dentro do que foi possível pesquisar, não se sabe exatamente onde este show ocorreu. Certamente foi em um dos bordéis localizados ao longo da Rua Padre Brito e no alto da José de Santana; talvez a Casa da Lé, muito famosa pelo luxo e localizada na esquina de uma e outra rua. Desta casa em particular, as lembranças destacam a grandiosidade, a dança e a inconsequência da juventude. Aquele tempo perdido na experiência do agora e resgatado apenas através da Memória: “A Lé é mais agora. O carnaval lá era uma coisa de doido. Uma vez eu fui preso lá, terminei o Tiro de Guerra, fui preso na Lé. Foi em 1960 e eu vim embora… mas a Lé também tinha um filme na frente, se você fosse conhecido dela, você entrava. Já era instruído por ela: ‘o rapazinho tem dinheiro’, né. E naquela época não tinha esse negócio de doença venérea né: muita guinorreia, canco, esse aí, eu nunca peguei, guinorreia eu peguei muito. Talvez não foi por isso não, tinha muito medo do pai. Pois era uma mamata. Tomava alguma coisa, daí uns oito ou dez dia eu voltava, ‘peguei outra vez’… tinha o povo do Imanfredo Braga também, dançava tango e achava bom. Dançava bem, dançar com elas. Ele tinha um terno branco, ele é um bom pintor, irmão do Pedro Braga, irmão dessa mulher do Zé Nico… Esse pessoal aí”.
Contudo, em se tratando do baixo meretrício, a memória opta pela negação da experiência, como o fez o Sr. José da Silva Pereira. Deste modo, com relação ao contexto espacial no qual está localizado o imóvel de número 870 da José de Santana, soubemos apenas que era um lugar fuleiro. Segundo o próprio Sr. José, ao lado da casa funcionava uma boate pouco recomendável, pois era um puxa-faca: um lugar frequentado por gente violenta e afeita ao derramamento de sangue. Entretanto, as contendas, as brigas e arruaças não se circunscreviam ao baixo meretrício. Mesmo nos bordéis mais requintados, como o da Brahma, não raro acontecia alguma confusão: “Uma vez eu tava aberto três horas da manhã. Ah, rapaz, eu não sei o que aconteceu lá na Brahma e quebrou vidro lá. Os grande lá; deu uma amolação, a polícia teve que ir lá (bebida né) e naquela época tinha o Jipão. Você tinha que vê, prendia mesmo. E tinha briga na Zona e lá saía até tiro. E eu já vi matar sujeito. Já vi mulher, às vezes o sujeito não era amigado com ela, mas o cara vigiava e queria a mulher só pra ele e aí chegava outro sujeito digamos, tava ela aí caçava, aí tinha briga”. Por outro lado, fazia parte da cultura masculina geral andar armado, inclusive na concorrida Casa da Lé: “É, o ambiente era carregado. O sujeito andava armado, quase todo mundo tinha um revólver na cintura. Eram muitas brigas… Geralmente quando conhecia às vezes ele não ia; Oh Fulano tá lá; esse cara é perigo so”.
Logo, a qualidade depreciativa e negadora que impele a memória a optar pelo esquecimento muito pouco tem a ver com a violência e a presença da polícia. Entendemos que esse movimento mnemônico, o da negação e do esquecimento, decorre mais da origem socioeconômica dos sujeitos e das prostitutas que frequentavam a baixada da José de Santana. Dentro da geografia social, o Cabaré da Lé foi emblemático, pois funcionava como uma demarcação simbólica e real do limite entre ricos e pobres: da Lé para cima, o espaço desviante ocupado pelos filhos das elites econômicas e políticas; da Lé pra baixo, os peões, pedreiros, vaqueiros, tratadores de porcos, pobres, pretos: os trabalhadores de Patos de Minas encerrados também espacialmente na simbólica pirâmide social representada pelos dois extremos da José de Santana.
A época de intensa movimentação da Zona Boêmia como um todo cobre o período que vai de 1945 a meados da década de 1980. Porém, em se tratando especificamente da casa do Lázaro Preto, seu funcionamento parece ter ocorrido a partir de 1959, quando o imóvel foi adquirido de Clarindo Teixeira Pinto e sua mulher por Lázaro Francisco Lau (O Sr. José da Silva Pereira informou que o imóvel havia pertencido a Lázaro Preto e que o comprou do filho deste, após o falecimento do pai), conforme o registro de 20/2/1959, no Cartório de Registro de Imóveis, em Patos de Minas. Portanto, é possível deduzir que o funcionamento da casa do Lázaro Preto coincidiu com a eclosão de um conflito moral anunciado desde a idealização do projeto de planificação e reordenação do espaço urbano de Patos de Minas.
Ora, originalmente, o Bairro da Várzea no qual se localizava a Zona ficava nos arrabaldes da cidade. Abrigava a arraia-miúda, a ralé, bem como os vícios tolerados por uma sociedade pequeno-burguesa desde que mantidos à distância do seu olhar, audição e olfato. Não obstante, ainda que estivesse dentro dos limites do patrimônio doado pelo casal Silva Guerra a Santo Antônio, tratava-se da Chapada. Por isso mesmo encontrava-se bem distante do centro nevrálgico da cidade que pulsava ao Norte: em torno do Largo da Matriz de Santo Antônio, no outro extremo da Cidade de Patos, onde se concentrava a vida cotidiana das elites brancas, abastadas e católicas.
No entanto, em fins do século XIX, em 1883, coube ao então Agente do Executivo, Olegário Dias Maciel, o mérito de reorientar o crescimento da cidade em sentido diametralmente oposto. A cidade cresceu deslocando o seu “centro” do núcleo original constituído à beira da Lagoa dos Patos e nascido de conformidade com o uso e a ocupação do solo próprios da colonização portuguesa. A partir de 1936, porém, a cidade foi efetivamente reorientada e cresceu a passos largos em outra direção: o sul. Não obstante, compreende-se que o processo de reorientação urbana, iniciado em 1883, acabasse por colidir com as “putas da Várzea”, a moral e os bons costumes.
Em 1955 a zona boêmia já incomodava e muito. O jornal Correio de Patos, em sua edição de 22 de fevereiro, noticiou: “O afastamento da zona boêmia, do centro da cidade é algo que deve ser encarado com a máxima seriedade pelos poderes Executivo e Legislativo de Patos de Minas. (…) A população de Patos, quase em peso, clama pela mudança da zona boêmia do centro da cidade. Tentativas isoladas já se fizeram neste sentido. Sabemos que muitos patenses já trabalharam para isto, todavia cumpre destacar o nome do senhor João Pacheco Filho, que chegou a adquirir várias casas nesse local com exclusivo fito de transformá-las em residências familiares. No entanto, é preciso que este trabalho seja feito não apenas isoladamente, mas em conjunto, principalmente sob a direção e ajuda dos poderes municipais de nossa terra. A propósito, podemos informar – com a mais absoluta segurança, que o novo prefeito, Sr. Genésio Garcia, está vivamente empenhado em promover o afastamento da zona boêmia para local mais afastado. (…) Coisa que nos enche de satisfação, pois nós os que amamos a cidade, só podemos nos alegrar e ver com bons olhos toda a ação que redunde em vantagens para Patos de Minas. De resto, o afastamento da Zona Boêmia não chega a ser nenhum “bicho de sete cabeças”. Havendo boa vontade e cooperação de todos, isto será feito com relativa facilidade”.
É importante atentar para a intenção de deslocamento da Zona e não da sua extinção: muito mais um discurso regulamentador da prostituição do que da sua extinção. Na entrelinha, o discurso sequer condenava a prática. Apreende-se, portanto, que o problema enfrentando pelas elites patenses no período era a presença da Zona no centro da cidade e não o meretrício em si. Não há dúvida de que se trata de um discurso moral; no entanto, paradoxalmente, é um discurso capaz de reconhecer e inclusive aceitar o desviante da norma. Para tanto, bastava que o mesmo fosse enquadrado longe da sensibilidade da pequena burguesia local: “Há vários lugares onde poderia ser construído o ‘Bairro das Camélias’, mas os mais indicados são os que ficam à direita ou à esquerda do Cemitério (na rua aberta pelo dinâmico Virmondes Afonso de Castro). Há os que optam pela baixada da rua José de Santana (proximidades do Café Cristal). E rua da Várzea, rua Patrocínio. (…) Lugares que afinal de contas, andam já infestados de casas de tolerância. Escolha-se qualquer desses locais. O que é preciso, no entanto, é que a Zona Boêmia seja afastada o mais brevemente possível do centro da cidade: pois onde ela está situada é que não deve e nem pode ficar (jornal Correio de Patos)”.
Porém, a Zona de Meretrício mostrou-se bem mais difícil de transladar do que foram o cemitério e a Igreja do Rosário. Não obstante as discussões e as reclamações junto ao poder público, nos anos de 1950 os tempos haviam mudado. Em primeiro lugar o Bairro da Várzea não era mais o reduto da gentalha, dos homens de “cor” e das mulheres “perdidas” que se davam ao desfrute. Ao lado desses antigos atores sociais, belas “damas da noite” se prostituíam nos quartos alugados das “pensões”. Em busca destas damas agora seguiam políticos, fazendeiros, comerciantes, advogados… Talvez até mais do que a clientela nativa, segundo afirma o Professor Antônio de Oliveira Mello: Com o financiamento para o incentivo da criação do gado zebu, o dinheiro tornou-se fácil, consequentemente, o gasto na orgia, abundante. Foi na época do grande desenvolvimento da prostituição em Patos de Minas. Era o ano de 1945. Casas confortáveis, com requisitos de higiene necessários e quartos ótimos. A zona boêmia daqui se tornou então famosa e conhecida em todo o Estado. Mulheres bonitas e sedutoras vinham de lugares distantes. Muitas delas altamente traquejadas. A fama do meretrício patense fazia com que o mercado da prostituição fôsse, constantemente renovado e sobejamente procurado”.
Depois de 1945, ainda segundo Mello (1971), houve uma “certa estagnação” da Zona, devido à crise que assolou o gado zebu. De fato, a criação do zebu foi o ponto alto da economia do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba entre os anos de 1935 e 1945, após o que sofreu uma violenta crise. No entanto, a recuperação da Zona Boêmia de Patos deu-se muito rapidamente: já a partir de 1950, no bojo do projeto desenvolvimentista desenhado desde quando Juscelino Kubitschek fora governador de Minas Gerais. No entanto, com a construção de Brasília, o alto meretrício patense saltou qualitativamente, compartilhando tanto da euforia do período quanto do próprio glamour quase cinematográfico da década 1950. Faz, inclusive, parte das lendas urbanas de Patos a presença “corriqueira” de J.K. na Zona Boêmia da cidade, quando o mesmo se deslocava de avião até o canteiro de obras de Brasília. Apesar disso, na medida em que o policiamento moral e a especulação imobiliária se lançaram contra a zona de meretrício, o que a pequena burguesia da cidade encontrou foi um muro de resistência que se amparava tanto na pujança financeira das grandes cafetinas quanto na proteção política que a presença de personalidades masculinas importantes dava ao lugar: “Elas ia tudo correndo pra lá, depositar o dinheiro do negócio da Ica …né, e não falava puta naquela época, mulher da gandaia. Então ela muito bem vestida, entendeu, como essas moças hoje se veste, sapato alto né, bem penteada (…) É, a A… que ia fazer depósito. Depositei muito dinheiro na caderneta dela, e ela não confiava não. ‘Não vou te dar recibo, depois pega aqui’ e ela ‘não, eu vou esperar aqui…”. Mas assim política não circulava isso aí não? Ia lá mesmo para se encontrar? É, e a sociedade fazia pressão, pro prefeito, deputado tirar a zona boêmia, que ali não dava. Da Padre Brito? É da Padre Caldeira e da Padre Brito. Mas dava conta de tirar não. Eles tinham amizades com elas? As maiores propriedades eram delas, como é que tirava né. Não tinha como”.
Embora tenha havido uma série de tentativas legais de expulsar a zona de prostituição do centro da cidade, não existem, no período, registros de qualquer ação que tenha conseguido driblar o apadrinhamento político que as cafetinas possuíam. O que observamos nos jornais da década de 1950 foram, além dos discursos, algumas atitudes de especulação imobiliária como a de João Pacheco Filho. Entretanto, na época em que a casa do “Lázaro Preto” funcionava, encontramos na documentação uma única ação concreta encetada contra a zona de meretrício. Observe-se, porém, que a ação se desenrolou no Bairro Brasil, nas proximidades da Igreja de Santa Terezinha, bem longe da região em que funcionava a casa do “Lázaro” ou o alto meretrício de Patos. De uma forma teatral, o Frei capuchinho Antônio de Gangi liderou uma “cruzada de crianças e homens de bem” contra os bordéis que funcionavam em sua paróquia. O caráter da ação e suas consequências repercutiram nas memórias locais, nos jornais da cidade e de fora dela, como o Jornal Última Hora, do Rio de Janeiro: “População está com o padre – A população de Patos de Minas está com frei Antônio de Gangi no que se refere à campanha moralizadora do Bairro Brasil, mas discorda dos métodos empregados por ele para retirar as mulheres. O prefeito Sebastião Alves do Nascimento, que possui um forte reduto eleitoral nas casas de tolerância, já pediu calma a todos e limitou-se a participar das reuniões realizadas na residência do médico Benedito Loureiro, que se apresentou como mediador da questão. (…) as mulheres que se julgam perseguidas pela campanha de frei Antônio pretendem entrar na justiça com uma ação de indenização pelos prejuízos ocasionados durante o quebra-quebra¹.
A leitura a respeito do episódio do Frei capuchinho depende, muito, do olhar e do “desejo” de quem o “vê”. Se, para Oliveira Mello, o fato mereceu ser registrado por sua exemplaridade moral; para a imprensa o caráter “moralizador” da ação se dilui na relação que o então prefeito Sebastião Alves do Nascimento, possuía com a zona! Foi o fato de o prefeito ter sido o mediador do conflito e possuir dentro da zona forte reduto eleitoral, o que justificou o registro do episódio no jornal. Não obstante, o ano de 1962 marcou o refluxo da zona de meretrício presente na José de Santana. A inauguração de Brasília impeliu muitas prostitutas a tentar a vida na nova capital federal, deixando atrás de si casas decaídas repleta de travestis: “[…] mas em 1966–67, a maioria aqui tinha era homem. O Zé Pereira Rosa, ele é que fez aquele prédio onde mora o Otto, perto daquele campo de futebol. Levou essa mulherada quase tudo pra Brasília. Porém, muitas não obtiveram sucesso. Dentre as que voltaram para Patos, estavam Elvira, Maria Butija, três irmãs que se prostituíam e “outras mais”.
Destarte, apesar dos discursos moralizantes, situados nos anos de 1970 e início dos anos de 1980, atrelados ideologicamente à ideia de progresso e do desenvolvimento da nação, a Zona de Meretrício localizada no centro de Patos de Minas conheceu, outra vez, um de seus momentos áureos. Tanto a emblemática “casa da Lé” quanto a misteriosa casa do “Lázaro Preto” passaram incólumes pelo período. Vale lembrar que é característica da realidade a existência dos “ciclos”. Deste modo, a Zona de meretrício localizada no centro encerrou seu ciclo em fins dos anos de 1990, quando a especulação imobiliária iniciada nos de 1950 empurrou a prostituição, de novo, para o arrabalde: desta vez o bairro Jardim Paulistano.
Em se tratando do fim que levaram os proprietários e os seus cabarés, pouco sabemos. As lembranças de um modo geral reportam-se ao mais famoso dos bordéis e a mais famosa das cafetinas: a Lé. Conta-se que ela morreu velha, em sua própria casa, desgostosa e triste com a morte de seu irmão Generino. Boêmio conhecido da cidade, por uma desilusão amorosa, matou a ex-companheira e deu fim à própria vida no Posto Patão. Já a “casa de encontros”, do “Lázaro Preto”, se ela de fato funcionou no número 870 da José de Santana, seu proprietário foi Lázaro Francisco Lau. Este se casou com Gelcira Gomes na cidade de São Gotardo e faleceu em fins dos anos de 1990. Em seu espólio constava aquele imóvel descrito como “uma casa de morada, em mau estado de conservação”, adquirida em 1959 de Clarindo Teixeira Pinto; vendida em 1982 para Lázaro Alves Neto e adquirida novamente pelo próprio Lau em 1984 pelo valor de Cr.$ 450.000,00. Finalmente, em 1999, entra em cena o último proprietário da residência, o Sr. José da Silva Pereira.
A movimentação financeira empreendida pelo Sr. José da Silva Pereira ilustra bem a espécie de “crônica da morte anunciada” que a zona de meretrício “central” vivenciou desde a “canetada” de Olegário Dias Maciel em 1883. Porém, se o processo de retirada da zona do centro ocorreu ao término do século XX, por outro lado a retirada simbólica jamais aconteceu. Além de permanecerem vívidas nas memórias as lembranças dos tempos áureos da “zona”, os sujeitos históricos que a vivenciaram internalizaram a correlação da área com a prostituição repassado-a para as novas gerações. Sem dúvida, ainda existem na José de Santana casas de meretrício. No entanto, nas casas de moradia da localidade é comum alertar as pessoas com a inscrição C.F.: “Casa de Família”.
* 1: Leia “Frei Antônio de Gangi e Sua Investida Contra as Prostitutas”.
* Fonte: A Casa do Lázaro Preto, de Alex de Castro Borges (Arquiteto e Urbanista, UFMG. Diretor de Memória e Patrimônio Cultural da Prefeitura municipal de Patos de Minas) e Rosa Maria Ferreira da Silva (Mestre em História da Cultura, UFMG. Historiadora da Diretoria de Memória e Patrimônio Cultural da Prefeitura Municipal de Patos de Minas), publicado na edição n.º 10 da Revista ALPHA (UNIPAM) de dezembro de 2009.
* Foto 1: Wikimedia Commons (Interior do Moulin Rouge, pintura de Henri de Toulouse-Lautrec).
* Foto 2: Eitel Teixeira Dannemann, publicada em 03/02/2014 com o título “Casa do Lázaro Preto”.
* Foto 3: GETS-UFSCar (Grupo do Mangue na Escada – Lasar Segall/1928).