POR DEIRÓ EUNAPIO BORGES – 09/03/1925
Faz um anno desapareceu da sociedade patense uma de suas mais representativas figuras, si bem que na modestia excessiva em que envolveu toda sua vida não deixasse transparecer àquelles que não o conheciam de perto a grandeza da alma que o animava, o immenso d’aquelle coração que accionava todos os seus actos.
De principios austeros dos verdadeiros homens de Platão, delineou desde seus primeiros annos na vida publica a directriz rectilinea que havia seguir no meio em que viveu e, orientando-se sempre pelas normas traçadas dentro da moral bebida na educação religiosa que lhe deram os saudosos Padres João Baptista Cornagliotto, João Chonavat e D. Silvério, no Seminario de Marianna, attingiu, sem tropeços e sem desvios, a meta final de uma existencia que é um exemplo para os seus e para todos quantos ainda não desertaram do cumprimento do dever.
Quer em sua vida privada, quer na publica, deixou um traço saliente do quanto póde o caracter alliado á uma intelligencia robusta e de um cultivo aprimorado.
No cumprimento do dever sacrificou tudo quanto se chama interesse ou conveniencia: acima, muito acima das injuncções sociaes, tão em voga na epocha de mercantilismo que atravessamos, collocou elle a fé de officio que se traçou brilhante e luminosa, atravez de uma existencia de 60 annos completos.
Quando muitos, em sua posição e sem os predicados que o caracterisaram e sem os dotes que o tornavam apto para uma ascenção na vida economica, venciam na materialidade dos latifúndios, elle, sò, sem as preocupações mercenárias, na incerteza embora do dia de amanhã do nascer ao por do sol, numa assiduidade esfalfante, de anno a anno, ia-se consumindo, vergado sobre a mesa de trabalho, numa constancia inimitavel para, ao fechar dos olhos, no momento derradeiro, deixar aos seus, como herança dignificadora, unicamente o orgulho de um nome e a pobreza honrada de uma vida laboriosa, legado sublime que poucos, bem poucos logram fazer.
Entre os predicados multiplos que revestiam sua personalidade nenhum outro tanto o exaltou como o desprendimento com que encarava as grandezas sociaes, tornando-se entre os humildes talvez o mais humilde Cidadão de Patos.
Assim viveu e assim morreu. Ao torno de sua individualidade creou-se uma aureola de sympathia filha da honradez com que soube pautar todos os seus actos, pois esta emergia sempre de todas suas attitudes e, ao contrario das demais virtudes sociaes que eram cuidadosamente veladas pela modestia incommum, solicitava-se sempre, impondo à admiração de toda uma população aquella organisação privilegiada.
“Consumi a minha vida trabalhando por todos e para todos; morro e deixo-os em extrema pobreza, mas tenho a consciencia tranquilla de haver cumprido meu dever”.
Assim se despediu elle de sua extremosa esposa e seus idolatrados filhos.
Mais do que os ouropeis que engalanam os leitos mortuarios dos que atravessam a vida no fausto, nos prazeres e na abundancia, orgulham-nos os nossos mortos que fecham os olhos á luz da vida como fez Olympio Borges porque – perdoe-me elle lá da mansão de Deus, onde habita, – a offensa posthuma que faço á sua modestia – toda sua vida foi exemplo de dignidade, de honra e de caracter, e foi sua morte um outro exemplo do quanto vale uma consciencia só do dever cumprido, com sacrificios embora.
Paz á sua grande alma.
POR DOLOR BORGES – 09/04/1925
Ha um anno falleceu nesta cidade aquelle a quem me habituei, desde a infancia, á chamar – tio Olympio.
O povo de Patos ainda não esqueceu o dia lutoso em que, ás 6 e meia da tarde de 9 de abril de 1924, entregava, após um soffrimento cruciante, seu espirito ao Omnipotente, aquelle que, em toda sua vida, foi um exemplo de caracter e de integridade moral.
De uma modestia sem par, de um temperamento calmo e de uma phisionomia que reflectia a austeridade dos seus costumes, Olympio Borges foi um homem que se impoz ao respeito do povo, dos seus parentes e de seus innumeros amigos.
Possuidor de uma invejavel cultura philosophica , haurida nestes mananciaes de instrucção incomparáveis que são os seminarios, elle soube dilatar, durante longos annos, seus conhecimentos, extendendo-os principalmente pelo vasto campo da sciencia do Direito, em que elle, segundo a opinião dos competentes, foi autoridade digna de acatamento.
Simples e magnanimo, era um prazer ouvil-o na sua conversação, de que sempre se colhia algum proveito, tal a maneira ponderada com que emitia sua opinião sobre os mais variados assumptos.
Amigos dos seus amigos, Olympio Borges cumpriu, durante sua existencia preciosa, aquelle bellissimo preceito christão: amae os vossos inimigos. Elle os amou tambem. No seu coração nunca teve guarda o rancor, nem mesmo esta natural aversão que se tem para com aquelles em cujas palavras ou gestos, ainda que repassados de blandícias e delicadeza, nós presentimos a mais refinada hypocrisia…
No seu leito de enfermo e de agonisante, Olympio Borges recebeu as homenagens d’aquelles que admiravam suas peregrinas qualidades de homem publico e particular, e de todos os que, além de amigos, a elle se ligavam pelos laços do parentesco.
Todavia, – è de justiça que se lembre – também falsos amigos, que delle se acercavam sempre, prestaram-lhe fingidas provas de amizade até o limiar do seu tumulo.
Ao nosso inimigo, não o nego, devemos prestar os deveres da caridade christã, assistindo-o mesmo em todas suas necessidades, si precizo for. Mas protestar-lhe uma amizade que não sentimos e tecer-lhe elogios insinceros, é uma aberração do sentimento humano, é a negação da propria personalidade moral…
– Homem probo, Olympio Borges foi também um justo.
Inflexivel no cumprimento do dever, sem ter um deslise na sua carreira de notario, offereceu ao serviço da lei “tudo quanto podia offerecer de nobre e efficiente.”
Catholico praticante, elle morreu serenamente, tendo a feliz e invejável morte de quem possuiu uma consciencia recta e tranquilla, de quem viveu praticando as mais nobres virtudes christãs.
Entregou a Deus seu espirito, deixando entre os vivos uma recordação immarcescível… e uma saudade immorredoura.
Obscuro colaborador desta folha, dirigida, hoje, – altos designios do Omnipotente! – por um dos filhos d’aquelle a cuja memoria rendo, de coração, a pallida homenagem destas linhas, eu ergo ao Senhor uma prece humilde para que nos envie muitos homens como Olympio Borges, que foi, no meio social em que viveu, uma prova exuberante do quanto é bello viver cultuando a verdade e amando a justiça.
* Fonte: Textos publicados na edição de 19 de abril de 1925 do Jornal de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Do livro Domínio de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca.