TEXTO: JORNAL CIDADE DE PATOS (1916)
Levanta-te da tua tumba Antonio Dias Maciel e vinde ver a cidade que tanto estremeceste; ella atravessa um eclipse tormentoso. Evoquei os teus manes, todas as vezes que Patos era dotado de um melhoramento, quando teus descendentes inumdavam com a luz electrica as suas ruas tortuosas, quando a desesseis de Agosto se inaugurou a agua potavel, quando a Camara municipal inaugurou o novo edificio e collocou em uma moldura doirada o teu retrato que a saudade para sempre burilou no quadro nebulosos dos finados. Nestas occasiões, lá do fundo de tua pulverulenta tumba, até os teus ossos estremeciam de prazer, ao ver o engrandecimento do lugar que creaste, onde gastaste toda a tua mocidade, e já na velhice até a seiva da tua vida. Pela calada noite irei encostar-me a columna tombada junto ao funeral cypreste, evocar os manes de todos que ja se foram, de todos que amaram esta terra soffreram e morreram, e quando os fogos fatuos saírem das fendas de seus tumulos como idéas mortas, irei buscar-vos não para contemplardes a vegetação que enrequece este sólo bem fadado, não para contemplardes estes horisontes diáfanos, mas sim para contemplardes estas lagoas que assemelham-se a immensos depósitos de lagrymas, choradas horas inteiras pelas esposas, na soledade das viuvas de maridos vivos; para contemplardes o povo de Patos, que substituio a confiança no trabalho pela confiança na fortuna.
Patos converte-se numa vasta espelunca. E foi para este epilogo que te cansaste tanto, Antonio Dias, e foi para isto que deixaste descendentes que continuassem a obra encetada por ti, e foi para esse horror que Patos de logarejo passou a povoação, de povoação passou a villa, de villa passou a cidade com todos os confortos da civilisação moderna.
Nas sociedades onde o jogo domina, e que se joga a portas escancaradas, sem respeito a lei e a authoridade constituída, a semente do trabalho não vivifica. Olhai em volta, aquelle é o filho familia de um pai exemplar, aquell’outro é um operario sahido de sua officina, que amanhã chorarão lagrymas ardentes, lagrymas de fogo, por entrarem tão cedo, nesta idade em que se deve esquecer do presente para só pensar no futuro, no abysmo sem fim da jogatina.
Si os illustrados, si os dirigentes fossem os primeiros a dar um exemplo salutar abandonando o maldito jogo, um pai poderia escolher essa bella cidade para educar seus filhos; neste estado de cousas porém, dou de conselho que tal não faça. Os que aqui vão nascendo e crescendo no meio da tavolagem, ficarão no statu quo, é como zero sommado com zero, a somma será sempre zero.
Jogam-se os contos nas roletas, e jogam-se tostões no vinte e um, joga-se nas salas e joga-se nas tavernas, a portas abertas, joga o velho ao lado do filho familia.
Hoje e mais tarde, deante do irremediável, é que este povo vai sentir a tua falta, porque dispunhas da energia e da força moral, para sustar no declive esta sociedade que está prestes a sepultar-se no abysmo. Oh! Vós que dirigis os destinos desta terra, em memoria, daquelle venerando velho, que em vida só sabia diser a todos que se amassem muito, acabai com esse cancro que róe a sociedade, tende piedade das crianças louras que soluçando pedem, tende piedade das esposas santas que já não têm lume, que já não têm pão, e que vivem na mais extrema miseria.
Allan Kardec.
* Fonte: Texto publicado com o título ” A Cidade de Patos (Invocação)” na edição de 14 de maio de 1916 do jornal Cidade de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam. Interessante esse “Allan Kardec” no final do texto. Como o texto invoca o espírito de Antônio Dias Maciel, é uma brincadeira com o grande estudioso do Espiritismo.
* Foto: Arquivo de Newton Ferreira da Silva Maciel.