TEXTO: JORNAL CIDADE DE PATOS (1916)
Foi publicado a 2 do corrente o Dec. 4534 que approva as instrucções reguladoras dos concursos para o provimento de cadeiras de instrucção primarias de quaesquer categorias.
De annos que, a marcha de kagado, se vai procurando melhorar a instrucção primaria no Estado.
Nos parece ser o problema mais palpitante, de maior relevo e que deve maior carinho merecer dos poderes publicos.
Em um paiz, como o nosso, em que o analphabetismo domina mais de dois terços da população, é um erro procurar-se proteger as industrias, a lavoura, o commercio, as artes etc. sem primeiro cuidar-se da instrucção primaria da individualidade. Já não nos referimos a instrucção secundaria, mas a primaria… esta é questão se ne qua para o desenvolvimento d’aquelles ramos da actividade humana.
O que vale distribuir-se arados e outras machinas a pessoas analphabetas? O que acontece é, que ellas materialmente pegam d’estes instrumentos e não sabendo ler as instrucções para usal-as, o resultado primeiro é negativo e ellas abandonam e voltam a rotina que lhes é habitual e d’ahi, não se lhes arranca mais.
O que vale facilitar-se a introducção de animaes de raça quando os creadores, na sua maioria, não sabem fazer uma selecção, um cruzamento etc.?
O povo não conhece tarifas, não conhece leis nem os seus direitos, quer politicos quer civicos. Os espertos o explora a vontade. Podem fazer as melhores leis, que ellas serão burladas, porque a maioria da população, não entende e não as conhece, por não saber ler, siquer.
Não se pode negar que a instrucção primaria, em Minas, tem melhorado, mas sem receio de contestações, só nos centros mais adeantados, (que se diga a verdade onde precise menos, pois ahi os collegios particulares, os estabelecimentos de cursos secundários e o proprio meio se encarregam de sanar as faltas da instrucção primaria), porque nos municipios centraes, onde não ha estradas de ferro, é uma verdadeira desgraça. N’estes lugares, o professorado está entregue, em grande parte, a ignorantes e analphabetos.
A população é desseminada, não existem escolas ruraes e o roceiro não tira os seus filhos da guia do carro, para collocal-os na cidade accarretando falta de serviço.
O pai diz: Qual, quem não sabe ler também vive, eu não estou vivendo? Coitado, elle deve ser perdoado, porque tambem ignora que não vive; confunde a sua existencia animal com vida social.
Até aqui, o professorado do sertão, com raras excepções, é exercido ou por invalidos que, por caridade, para criarem as familias, se lhes dá uma cadeira; ou por preguiçosos, que acham este meio facil de viver, a custa dos cofres publicos, por protecção politica.
O inspector que fiscalisa essas escolas ou é bôbo que cae na asneira de observar irregularidades e leval-as ao conhecimento de seus superiores, que lhe fazem o favor de não importancia; ou é um espertalhão que diz andar tudo muito bem, porque se enfeita com – cumprimento de deveres – os chefões lhe trepam e o fazem voar.
As novas instrucções parecem vir diminuir qualquer cousa d’essa immoralidade que por ahi vai.
Sabemos que ellas não serão cumpridas a risca, mas poderão dar algum resultado.
O magisterio é uma carreira enobrecedora e brilhante e áquelles que a ella se dedicam devia-se, ao par de um ordenado farto, cobrir-se de beneficios, mas não condundil-os em posto de preguiçosos, invalidos e especuladores; porque as crianças precisam das prelecções d’aquelles e nunca dos exemplos d’estes.
* Fonte: Texto publicado na edição de 19 de março de 1916 do jornal Cidade de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Marcusarf.blogspot.com.br.