TEXTO: DENNIS LIMA (2022)
Aos domingos havia o show de novos talentos na Recreativa, estimulado pela Rádio Clube de Patos. Era no início dos anos de 1970. Havia bandas muito bem preparadas que ensaiavam e acompanhavam os novos cantores. Muitos realmente tinham talento para encarar o público e sempre foram aplaudidos.
Eu também achava que tinha talento igual aos demais. E me inscrevi todo empolgado no auge de meus quinze ou dezesseis anos. Claro que vou ser aplaudido. Todos são aplaudidos. Eu também vou ser. E cismei de me apresentar.
Escolhi uma música e ensaiei a semana inteira. Em inglês. Aprendi todos os versos. Decorei tudo. Tim-tim pot tim-tim. A música era dos Beatles. Eles eram o máximo. Só que a música que eu escolhi não era conhecida do público. You’ve got to hide your love away. Mas eu não estava nem aí se o público conhecia ou não. Era a novidade que eu queria apresentar.
A banda, lógico, conhecia e sabia tocar a música. Naquela época, toda banda que se prezava sabia tudo dos Beatles. Era o que estava na ponta do sucesso. Menos a música que eu me preparei para cantar. O tom dessa música era baixo para minha voz empolgada. Já começava por aí. O público seguia os sucessos do momento. E essa música não era sucesso. Hoje sim, é conhecida e foi gravada por muita gente além dos Beatles.
Mas eu estava confiante que ia agradar ao público. Afinal, Beatles é Beatles. E eu havia ensaiado. E a banda era de primeira.
Fui chamado ao palco na minha vez. O anúncio da música foi feito pelo animador do show. Ele teve dificuldade de dizer o nome da música que era comprido e já se embananou somente para dizer aquela frase que parecia não ter fim. Já deixou todo mundo impaciente só de ver o locutor dizer o nome da música.
O público não deu muita bola para tanta palavra em inglês. Já estava acostumado com esse tipo de coisa. Quando cheguei ao palco houve um silêncio geral, aguardando o início do talento. Eu confiante. A banda tocou os primeiros acordes. Eu peguei o microfone e como havia treinado comecei a cantar no tom certinho. Um tremendo de um sol maior. Só que a música é cantada mais baixa e de um tipo assim mais conversada. A turma esperava um rock. E eu com aquela canção tipo balada. Arrastada. Esse é o espírito da música.
Quando cantei o primeiro verso da música, saiu tudo esquisito e o público vaiou feio. Lá se foi meu talento. Cantei até o final. Sabia a letra toda e meu inglês estava corretíssimo. Mas já não adiantava mais nada. Ninguém mais prestou atenção e parece que houve um alívio quando eu parei.
Acho que no meio de tanta vaia devo ter escutado apenas uma pessoa aplaudindo. Devia ser alguém assim como eu. Gostava dos Beatles e conhecia músicas mais raras. O público queria se divertir com os sucessos. E eu havia escolhido a música errada. O tom estava certo. A letra estava certa. Eu não desafinei, embora parecia que estava desafinando. E foi tudo por água abaixo.
Um tremendo fisco a minha primeira apresentação em público. Mas foi uma aula para um grande aprendizado. E a Recreativa foi a que me proporcionou a tomar conhecimento e experiência na relação com o público.
Eu me achava um talento. Só que não. O público era exigente e eu quebrei a cara. A realidade foi importante para tudo o que fiz a partir desse dia.
Muito tempo depois, esse mesmo público veio a me aplaudir. Eu aprendi a lição direitinho. Aprender exige sacrifício e alguns tombos. Mas pouco a pouco a gente chega lá.
* Texto publicado na edição n.º 15 (Ano IX – Edição Especial 2022) da Revista Recreativa, do arquivo de Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Da página do Facebook do autor (Capa do CD Trajetória, clicada e editada por Dalila Thompson no estúdio do Foto Heleno, com produção do Dennis e de Marco Antônio, seu filho)
* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.