Quando o Sandoval completou dezenove anos de idade ganhou de presente dos pais uma moto cinquentinha para, primordialmente, conduzi-lo a uma faculdade da Cidade. Irrefletidamente, quem sabe por falta de educação adequada no Lar e/ou pelas companhias nada saudáveis, considerou que a máquina era muito silenciosa. Como admirador de música pauleira, resolveu que a moto deveria fazer barulho. Assim, procurou uma oficina especializada nessa funesta arte e danou a torrar a paciência dos patenses em todos os lugares que passava, mais até que os entregadores.
O tempo passou, começou a trabalhar e conseguiu comprar uma possante moto de 500 cilindradas. Óbvio, que a primeira atitude dele quando saiu pilotando o veículo foi procurar uma oficina especializada para transformar a sua máquina numa das mais barulhentas da Cidade. Aí o bicho pegou e ele entrou naquela fatídica turma que urra assustadoramente a moto dando tiros que incomodam deverasmente até os moradores do Cemitério Santa Cruz.
Durante pelo menos uns cinco anos, ele fez o que bem quis com a moto, perdendo a conta de quantas pessoas conseguiu irritar e até provocar problemas de saúde. Nessa época, ele conheceu a Verusca, e foi paixão à segunda vista, pois só depois do segundo encontro é que ele se apaixonou por ela. Casaram-se e construíram uma boa casa no Bairro Boa Vista, pertinho da Casa das Meninas. Com um ano de casado, aflorou-se nele uma vontade enorme em seu coração de chumbo derretido: ter um filho, desejo imediatamente acatado pela esposa.
Mas eis que a Verusca tinha um problema e não conseguia engravidar. Ansiosamente suportaram dois anos de tratamento. Durante esse tempo todo, para aliviar a tensão, ele zanzava pela Cidade incomodando com sua moto até o sono de ratazanas e baratas dos esgotos. Valeu a pena a agonia, pois veio ao mundo um lindo garotinho para a felicidade deles e de toda a família, principalmente dos avós. Assim, durante dois anos, o Sandoval veio curtindo as suas duas maiores paixões: primeiro, a sua moto de 500 cilindradas, apelidada pelos amigos de Terror dos Babacas, e segundamente, o seu garotinho.
Certo domingo, por volta das onze horas da manhã, depois da sua tradicional andança azucrinante com a sua moto, lá estava o Sandoval acomodado numa cadeira no passeio em frente à sua casa com os olhos vidrados no celular, enquanto o filho sentado ao lado brincava com uns carrinhos. De repente, surgiu uma moto da mesma laia que a dele. O dessa moto veio mostrar ao amigo o seu novo mimo e, para alegrá-lo, urrou tanto o motor e depois aumentou tanto a velocidade que o garotinho entrou em estado de pânico e, desesperado, levantou-se e saiu correndo para a rua. Não deu tempo para nada: a moto o jogou a pelo menos uns quinze metros, e lá ele caiu estirado no asfalto, e lá ficou, inerte, sem vida.
Comentam por aí que o Sandoval vendeu a sua moto e hoje é um crítico feroz da barulheira na Cidade, não suportando nem aquelas bicicletas motorizadas e muito menos carros com som nas alturas.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.