SOBRE O PARQUE DO MOCAMBO

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O Parque Municipal do Mocambo, empreendimento inicialmente particular denominado “Mocambo Clube de Recreio”, foi projetado pelo arquiteto Lizandro Souza na década de 1980. A construção foi demorada. Várias pessoas aderiram ao parque como um clube, algumas cotas foram vendidas. O local possuía piscinas, quadras, barzinho e muito verde. Inicialmente particular, o parque foi criado com o objetivo de não somente visar retorno financeiro, mas também de oferecer um espaço de sociabilidade e contato com a natureza. Entre outras coisas, o parque abrigava o Córrego da Caixa d’água responsável pelo primeiro sistema de abastecimento de água de Patos de Minas.

A mata que se localiza dentro do Parque conhecida popularmente como “Mata do Tonheco” abriga em seu interior a nascente do córrego utilizado para o primeiro sistema de abastecimento de água da cidade de Patos de Minas, o chamado Córrego da Caixa d’água. Com um início promissor, com vendas de cotas e com a promessa de desfrute e ligação com a natureza, o Mocambo Clube de Recreio não consegue ter o sucesso desejado e aos poucos vai se vendo em dificuldades para continuar seu funcionamento. Em 1985 o Mocambo Clube de Recreio atesta o fracasso da empreitada e deixa de pertencer aos antigos donos.

O local foi adquirido pelo poder público do município em 1985. Em 14 de novembro daquele ano, o então prefeito Arlindo Porto Neto sancionou a Lei n. 2.077/85 que autorizava a abertura de crédito especial no valor de Cr$ 150.000.000 (cento e cinquenta milhões de cruzeiros) para fins de indenização pela desapropriação do “Mocambo Clube de Recreio”. A partir desse momento, o poder público encampa a ideia inicial do Mocambo Clube de Recreio enquanto espaço verde no contexto urbano. Inicia-se o projeto para a construção do que hoje é o Parque Municipal do Mocambo. A questão ambiental não é deixada de lado e várias leis municipais são editadas para preservar a “Mata do Tonheco” e o Córrego da Caixa d’água, bem como o parque como um todo. A Lei n. 2.578/90 declarou de preservação permanente a área de proteção da nascente do Córrego da Caixa D’água e do Parque Municipal do Mocambo.

No dia 24 de maio de 1990, data do aniversário da cidade, é inaugurado o Parque Municipal do Mocambo. A construção do parque impulsionou o crescimento urbano nas cercanias, antes local inabitado. O parque inicia suas atividades a partir daí com vários atrativos, entre eles um mini zoológico. O Mocambo se mantém ativo até 2001, quando é fechado para remoção dos animais selvagens e reparos nas jaulas. Esse fechamento representa o primeiro de outros que virão, constituindo-se em um processo de “idas e vindas” na história do parque. O parque nesse período entra em completo abandono, ficando alguns anos fechado. Em um novo impulso de revitalização e recolocação do parque como espaço de sociabilidade e contato com a natureza, nos anos de 2004/2005, ele passou por uma reforma e ampliação, onde foi feita a drenagem da bacia do Córrego da Caixa d’água.

Reinaugurado e, após o início esperançoso de continuidade, é entregue novamente ao descaso, inclusive com a tentativa de privatização em 2007. O descaso permanece, até que, em 2015, após um novo período de fechamento, o parque é reaberto com melhorias e funciona até o presente momento. Percebe-se como a relação homem-natureza e, no caso em questão, Parque do Mocambo-sociedade é cheia de permanências e rupturas, ora com um apelo pelo verde, pelo natural, ora pelo abandono e pelo descaso.

É necessário, como objeto constituinte da história ambiental, se atentar para os aspectos naturais do Parque Municipal do Mocambo. A sua fauna e flora, bem como sua localização, influenciam o meio ambiente em que está situado. O Parque Municipal do Mocambo configura-se como um fundo de vale, possui diversas nascentes e cursos d´água que ocasionam em alguns locais um solo encharcado e mais suscetível a erosão. O parque funciona como uma espécie de amortecedor para a força da água que desce da parte alta da cidade, o que reforça a função ecológica do local. As enchentes que ocorrem na Avenida Ivan Borges Porto, por exemplo, poderiam ser muito mais intensas se o Mocambo não estivesse ali.

Em relação aos aspectos naturais, merece atenção também as espécies que constituem a Mata do Tonheco, tida como uma mata de galeria. A história ambiental, como uma área interdisciplinar, tem em seu corpo de análise também o diálogo com as ciências naturais, o que configura o trabalho de campo da pesquisa. O ambiente de Mata de Galeria em geral é bastante heterogêneo, com elevado número de espécies. Nesse sentido, a mata do Parque do Mocambo apresenta uma boa representatividade das principais espécies presentes nos ambientes ripários, ou seja, aquelas espécies que se desenvolvem em meios onde há interação entre vegetação, solo e um curso d’água, representado pelas várias nascentes no interior do parque.

A ocorrência de muitas árvores mortas no interior da mata pode ser tanto consequência natural como parasitismo, competição por nutrientes e luz, ou ainda decorrente de perturbações introduzidas pelo homem. De fato existem trilhas internas construídas de concreto ao longo da mata e houve limpeza da área durante muitos anos no passado, promovendo a retirada da matéria orgânica da borda da mata, o que provavelmente reduz o teor de nutrientes no solo e o estabelecimento das plantas.

O grande número de espécies mortas no interior da mata é, certamente, consequência das inúmeras “idas e vindas” do parque. Sua história, marcada por momentos de valorização e usufruto e por descaso e abandono, ocasiona um desgaste na parte ambiental. Com processos de deterioração e posteriormente de revitalização constantes, gerando quase um círculo vicioso, o ecossistema ali presente sofre graves consequências. As árvores mortas encontradas são resultado de um descaso inicial e, à mercê de projetos políticos, interferências na estrutura biológica do local. Apesar de alterado em sua composição florística e estrutura, é um remanescente florestal de extrema importância para a região.

A construção do parque, além de oferecer lazer e preservação da natureza, também impulsiona a urbanização da área que circunda o Mocambo. Uma das motivações que levaram ao fracasso o empreendimento particular do “Mocambo Clube de Recreio” foi a alegação de distância para as áreas centrais da cidade. O espaço do parque na época era isolado e sem habitações. Com o início da construção, no final da década de 1980, a povoação do entorno é estimulada e começam a se formar os bairros vizinhos. O espaço verde, no entanto, deve ser organizado e possuir estruturas que permitam o melhor aproveitamento por parte dos cidadãos. O Parque do Mocambo configura-se, nesse contexto, em um dos “motores do progresso” para a cidade, ao impulsionar a urbanização, de promover o lazer e preservar áreas ambientais importantes, como o Córrego da Caixa d’´água, dentro da Matado Tonheco, no coração do parque.

O Parque do Mocambo não está situado apenas como objeto político, como agente de progresso e urbanização ou como espaço de contato com a natureza. Ele também está presente no imaginário popular, representando diferentes usos e significações em diferentes momentos de sua história. No final da década de 1970, quando Lizandro Souza cria o “Mocambo Clube de Recreio”, este já nasce dentro do ideal do lazer, encontrando-se com a natureza. Com este empreendimento, os usos sociais se diferenciam em épocas distintas do ano. Em fevereiro, período do carnaval, o espaço se torna um ambiente propício para que as pessoas desfrutem das marchinhas e confetes.

Não só o carnaval, como também o calor fazia com que a população procurasse o “Mocambo Clube de Recreio”. Naturalmente, esse espaço no meio do verde e em constante contato com a natureza se tornava o local ideal para se refrescar e confraternizar com os amigos. O lazer, sem dúvida, era a função maior que o parque deveria cumprir no imaginário popular. Já com o Parque Municipal do Mocambo sendo construído, isso se reforça, por ter da parte da administração municipal a iniciativa de promover um espaço apropriado para o lazer.

É possível perceber os diferentes usos e as distintas representações sobre o Parque do Mocambo no decorrer dos vários momentos históricos. De um espaço de “reencontro com a natureza”, passando pelas festividades do carnaval, por um local de refresco no calor, pela necessidade do lazer e sediando um festival de cultura independente. Ademais, cada frequentador possui particularmente a sua representação e os seus usos pessoais do Mocambo. O parque é, indubitavelmente, espaço de sociabilidades e relação homem-natureza.

* Fonte: O parque e o povo: história ambiental do Parque Municipal do Mocambo − Patos de Minas (2019), de Alison Luiz de Oliveira, José Aurélio Nascimento Souto, Pablo Vinicius Alves e Raissa Gonçalves Galvão.

* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Do arquivo de Donaldo Amaro Teixeira, publicada em 30/05/2014 com o título “Parque do Mocambo em 1992”.

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