É JONAS, JONAS, JONAS…

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Na década de 1980, as equipes do Paranaíba da Vila Operária e do Clube Atlético Olaria travavam grandes clássicos pelo Campeonato Amador da Liga Patense de Desportos. Na época, eu estava começando minha carreira de repórter esportivo. Em uma tarde de sábado, embarcamos na velha Brasília da Rádio Clube de Patos e descemos até o Campo do Peixe para transmitir um jogo entre os dois times. Jonas Silva era o narrador, o comentarista era Sólon Pereira, eu trabalhava como repórter de campo, o zeloso Antônio Carlos Tim Tim era o responsável pela ligação dos equipamentos e também o piloto da viatura. De quebra, levamos o Walico Pereira, cuja única função era deixar ainda mais reduzido o minúsculo espaço do carro. Não é à toa que mais tarde ele ganharia o apelido de “mala”.

Além de não ter cabines de rádio, o campo do Paranaíba era uma mistura de grama com terra batida. A equipe da rádio ficava em uma mesinha colocada nas proximidades do alambrado. Com o calor intenso do mês de outubro, há mais de quatro meses não chovia na região, quando os jogadores disputavam a bola levantavam uma verdadeira nuvem de poeira. A gente ia falando e engolindo terra. De vez em quando um copo de água ajudava a lavar a boca. Quem mais sofria era o narrador. Mas o Jonas Silva estava no auge da empolgação e nem se importava em degustar um bocadinho de terra de vez em quando.

– A bola rola redondinha aqui do (des)gramado da Vila Operária e ripa na chulipa e pimba na gorduchinha. Prefiro viver um dia de leão a cem anos de cordeiro. Dez minutos de jogo, o comentarista Sólon Pereira analisa este início de clássico.

Entretanto, quando o Sólon ia falar o nome do nosso narrador, eu não sei o que ele aprontava, mas sempre acrescentava a letra “a” no meio da palavra, de modo que Jonas virava Joanas.

– O jogo está muito disputado no meio-campo, o Olaria encontra dificuldades para armar sua grande jogada com Branco pelo lado esquerdo. O setor está muito bem marcado pelo João Bandeja. Certo, JOANAS?

E o Garotinho já estava implicado com o fato do comentarista falar seu nome errado e respondeu: − Certo não, Sólon, meu nome não é JOANAS, meu nome é JONAS. Seguiram-se mais uns quatro ou cinco comentários no primeiro tempo. E em todos, o Positivo encerrava seu raciocínio com a pergunta: − Está certo, JOANAS? E ele sempre fazia a correção e explicava que seu nome não era JOANAS, mas JONAS. Até que o árbitro Pedro Dias Cardoso, o Bolero, trilhou seu apito e encerrou a primeira etapa. Entrei no campo, fiz algumas entrevistas com os craques do jogo e retornei o comando da jornada para o narrador.

Geralmente, dos 15 minutos de intervalo de uma partida de futebol, pelo menos dez eram reservados para o comentarista fazer uma análise geral do desempenho dos times, dos atletas e até do árbitro. Mas, naquele dia o locutor esportivo resolveu quebrar a escrita. Antes de anunciar os comentários intermediários, ele decidiu ensinar o Sólon a falar o seu nome corretamente. Ficamos eu, Tim Tim e Walico encostados no alambrado observando e nos divertindo com a aula radiofônica:

– Não tem erro, são só duas sílabas: JO-NAS. Veja bem, não é JO-A-NAS, é JO-NAS. Repita comigo: JO-NAS.

Ao que o Sólon respondia:

– JO-A-NAS.

– Não é JO-A-NAS, é JO-NAS.

E o comentarista insistia:

– JO-A-NAS, JO-A-NAS, JO-A-NAS.

E o outro corrigia:

– JO-NAS, JO-NAS, JO-NAS.

Repetiram o exercício umas 30 ou 40 vezes até que finalmente o esforçado aluno passou a soletrar: − JO-NAS, JO-NAS, JO-NAS. Satisfeito com o seu nome sendo pronunciado de forma correta, o narrador aplaudiu o colega e anunciou a análise do primeiro tempo do jogo: − Com os senhores, “o comentarista positivo”. O Zé de Pádua, o famoso Zé do Céu, acionou a velha cartucheira de rolo na técnica central e a vinheta ecoou nas ondas da Rádio Clube: − Sólon Pereira. E aí o Sólon começou: − Tivemos um primeiro tempo bastante disputado aqui na Vila Operária, meu caro JO-A-NAS. Naquele momento, o Jonas já havia deixado o fone e o microfone sobre a mesa e se preparava para chupar um picolé. Mas quando ouviu o seu nome ser falado errado mais uma vez, ele pegou novamente o microfone e deu uma bronca bem humorada:

– Olha, Sólon, faz uma boa hora que estou ensinando a você a falar meu nome e você vem de novo com essa história de JO-A-NAS. Olha, eu tô achando que é mais fácil eu ir lá no Cartório e pedir para mudar o meu nome do que você aprender a falar JONAS. Alô, Biezinho, vá preparando a papelada que amanhã eu passo aí pra mudar o nome.

Pra quem não sabe, o Biezinho é dono do Cartório lá em Carmo do Paranaíba. Naquela altura eu, Walico e Tim Tim estávamos às gargalhadas na beira do campo. O Sólon coçou o bigode com o polegar e o indicador e deu uma piscadinha em nossa direção. Até hoje eu não sei se ele fazia aquilo de sacanagem ou se não conseguia mesmo falar o nome do Jonas.

* Texto de Ricardo Faria publicado com o título “Mudando de Nome” no livro “Rádio Clube − Setenta Anos e Suas Histórias”, de Adamar Gomes.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre desenho de pt.dreamstime.com.

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