PARDAIS

Postado por e arquivado em ARTES, LITERATURA, PAULO NUNES.

Há pássaros que existem demais
e se tornam invisíveis pelo excesso:
são tão comuns e iguais que achamos
que não nos refletem, embora suspeite-se
sob cada individual plumagem,
a cada pouso e voo e cada novo ciclo,
além dos piolhos que espalham e catam,
e do eterno pipiar sem sentido,
seja única a vida e seus momentos.
Crescem, acasalam-se, constroem
seu ninho com matéria nenhuma,
e produzem outros tantos pássaros,
que agasalham, alimentam e ensinam
a voar num céu aparentemente o mesmo.
Onipresentes pássaros urbanos,
a cada esquina, árvore e cornija,
e pelos fios, sobre telhados, no chão,
a nos observar – quando os esquecemos.
Só viram notícia se acaso a brusca
tempestade os surpreendem e matam,
enchendo com seus corpos as praças,
fazendo pensar que choveu pássaros,
levando alguns passantes a indagarem-se
do que se alimentam e sobrevivem,
e por que são tantos e existem.
Humildes, ordinários pássaros urbanos,
frutos de misteriosa migração,
adubados pelo próprio guano e pelo descaso:
por sua necessidade, insistência e instinto
tomara a todos um dia chegue a notícia
de que são vocês que arquitetam o mundo
e que à noite inventam o descanso.

* Foto: Arquivo de Paulo Nunes.

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