Lá estavam eles, no bate-papo salutar de todas as sextas-feiras ao iniciar da noite no boteco favorito na Rua Mata dos Fernandes. Num dado momento, o assunto desviou para certas mudanças linguísticas inúteis, totalmente inúteis:
– Ontem levei o cachorrinho da mulher pra receber vacina contra a raiva. Aí o doutor perguntou qual era o nome do pet e do tutor. Pet? Tutor? Pois é, moçada, animal de companhia agora é pet e o dono é tutor. Por um acaso o cachorrinho da minha mulher é garrafa plástica? E ela não é mais proprietária e nem dona, é tutora? E conto outra: liguei para uma clínica para marcar uma consulta com um clínico geral e a atendente explicou-me que não existe mais clínico geral, agora é generalista. Ô frescura, sô!
– E eu fui pegar um remédio na Farmácia Popular e fiquei sabendo que não existe mais entrega de medicamento, e sim dispensação. E mais uma: fiquei sabendo que asilo para idosos não é mais asilo para idosos, e sim ILPI. É amigos, é pra deixar mais pomposo o nome, pois ILPI significa Instituição de Longa Permanência de Idosos. Não vamos rir. Ô frescura, sô!
– E não é que alguém decidiu que o Hospital Regional não deveria ser mais chamado de Hospital Regional e sim de AGARRÁD?
– AGARRÁD?
– É, de HRAD, Hospital Regional Antônio Dias, que sempre foi Hospital Regional e agora é AGARRÁD. Ô Frescura, sô!
– Menos mal, pelo menos tudo isso está no português, a disgrama é o tal do estrangeirismo, como no caso do pet. Acabou-se a bicicleta: agora é bike. Pois é, qualquer mequetrefe por aí que pronuncia e escreve “bicicreta”, pronuncia e escreve bike perfeitamente. Então, ora bolas, se a bicicleta morreu e o negócio agora é bike, que ao invés de ciclista seja bikesta; que ciclovia seja bikevia. E o comércio? Hoje mesmo recebi dois e-mails. Um anunciava: Coleção Lovers e sale até 50% OFF. O outro: Sale com até 70% OFF. Peraí, estamos mesmo no Brasil? Agora, frescura mesmo, foi quando telefonei para a Prefeitura para buscar uma informação e me disseram que o responsável, por causa do Covid-19, estava em… em… home office. Ô frescura, sô!
– Pois é, e a vacinação drive thru? Ô frescura, sô!
E assim a conversa se alongou, já chegando ao sábado, e depois de mais outros 480 exemplos de mudanças linguísticas inúteis que não acrescentam absolutamente nada ao progresso do país do pau brasil, muito pelo contrário, resolveram se aconchegar em seus lares.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 06/06/2014 com o título “Antiga Rodoviária no Final da Década de 1970 − 1”.