CONDIÇÃO DA CADEIA PÚBLICA EM 1911

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TEXTO: JORNAL O COMMERCIO (1911)

Parece duvidoso que um governo como o de Minas, dispondo de tanto dinheiro para emprestimos municipaes, não disponha, igualmente, para concertos de sua exclusiva competencia, que revestidos de um caracter inteiramente urgente, se impõem como precizos e indispensaveis, em diversos pontos, d’este e dos municipios visinhos. Desde seu inicio, tem-se occupado esta folha, em voltar para a nossa Cidade, as vistas myopes do Estado, mostrando-lhe, dia á dia, melhoramentos necessarios a se fazerem aqui.

Os seus dirigentes, porém, ou pelo costume de se conservarem inertes perante questões que não lhes interessam, ou mesmo, por motivos que nos são totalmente extranhos, permanecem n’uma impassibilidade ingleza, como se não tivessem obrigação de auxiliar os municipios sertanejos, ou como si estes, differentemente de seus congêneres de Minas, não precizassem de se lhes prestar, de quando em quando, alguns consoladores momentos de attenção, fazendo para elles, o que ordinariamente faz para os outros, quando, como nós, são obrigados a se dirigirem aos altos poderes Estadoaes. Mesmo assim, vimos hoje solicitar ao Dr. Chefe de Policia, para que, tomando em consideração as verdades que ora expendemos, se apresse em retocar a Cadêa local, actualmente arruinada, apresentando-se aos olhos de todos, como um velho edificio, que traz à lembrança as antigas fortalezas, destruidas em parte pela força inimiga. Os trastes que ornam os seus aposentos, não são trastes que honrem a nossa Cidade, nem que tragam applausos á direcção Estadoal. Elles se compõem de madeira fraca e carunchosa, buscada a esmo e reunida ás tontas, justamente como se dá na roça, por occasião de festa, quando os bons roceiros, querendo a todo transe accommodar um elevado numero de convidados, fazem construir ás pressas, bancos tôscos e mezas provizorias. Assim é, que a meza em tôrno da qual funcciona, ha tempos, o Tribunal do Jury, assemelha-se bem mais aos cavalletes uzados nos ateliers de pintura, do que mesmo, à uma parte de mobilia utilizada pela administração de um Estado, para com ella presentear à nossa Camara Municipal.

Resumindo, diremos, que a Cadêa d’esta Cidade é tão bella e sumptuosa, tanto externa, como internamente, que vendo-a, mesmo um frade de pedra terá de corar até as orelhas, si para resistir à commoção de tão maravilhoso espectaculo, não lançar mão, com antecedencia, de um forte e energico calmante. Longe de se parecer com um predio Estadoal, ella se ergue, sombria e rota, como que pasmada da inação do governo, em não lhe dar melhor aspecto, deixando-a entregue aos cuidados do tempo e à vontade das corujas. Guardando commumente no andar inferior, um grande numero de prezos, que arrastam a existencia entre as inhalações putrefactas de miasmas venenozos, e a humidade constante que se desprehende de seu seio doentio, não é ella, propriamente, uma caza destinada á correcção de criminosos. Alli, é antes, o logar por excellencia, onde, ao envez da pena que espera, o réo encontra uma morte surda, lenta que o consome aos poucos e o traz em eternos sobressaltos.

No andar superior, espera-se, de uma para outra hora, um serio desastre, que tenha por principio o seu completo desabamento sobre os infelizes encarcerados, si por parte do governo não fôr tomado algum alvitre, cujo fim seja sustar o que aqui affirmamos. Entretanto, quem desconhece em absoluto o lastimoso estado d’este predio, julgará, talvez, como tambem poderá acontecer ao Dr. Chefe de Policia, que essas nossas asserções não passam de uma simples prevenção. Em todo cazo, para ostentação do contrario elle aqui está claro e patente, demonstrando de um modo exacto o que a seu respeito já tivemos o ensejo de escrever.

É a razão, porque, mais uma vez, lembramos de dirigir os nossos pedidos à quem de competencia, para que, tomados na devida fórma, sejam ouvidos e prontamente attendidos, de conformidade com as exigencias requeridas pelo prezente cazo.

N. Ferreira¹.

* 1: Como o agrimensor e vereador Eduardo Ferreira de Noronha já escreveu vários artigos sobre a péssima situação da Cadêa, suspeita-se que esse N. Ferreira seja o próprio.

* Fonte: Texto publicado com o título “Locaes − Cadêa” na edição de 08 de outubro de 1911 do jornal O Commercio, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Foto: Primeiro parágrafo do texto original.

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