Domingo passado tivemos occasião de visitar a cadêa¹ local, e de là nos retiramos summamente contristados, principalmente pelo descaso que notamos presidir no tratamento dado aos infelizes que alli se acham detidos.
Trez são as prisões principaes d’aquelle proprio estadeal: em 1 estão reclusos 14 homens e em outra 5, estando vasia a terceira por se achar arrombada².
Hygiene è uma coisa que alli não é absolutamente conhecida: aquelles pobres homens alli se acham em um commodo relativamente estreito, de soalho negro de sujo, unidos a uma miseravel lata em que satisfazem as sua necessidades fhysiologicas.
O ar que respiram, naquelle recinto, è infecto, pois, aquelles desgraçados não tomam banho, por falta d’agua, e alguns delles, ha mais de mez, não mudam a roupa, por não terem outra, segundo nos queixaram com palavras dignas de commiseração.
A comida que lhes é fornecida é, conforme affirmam, por demais ruim, mal cosida, mal temperada, de má qualidade emfim.
Não é assim que se segregam os criminosos da sociedade, não: sujeitando-os a uma morte lenta, a torturas, a vexames taes que vão de encontro ao sentimento de caridade, que deve existir em todo o coração bem formado.
Prendamos os delinquentes; mas, demos-lhe, ao menos, o necessario para a vida: agua pura para mitigar-lhes a sede e para a hygiene do corpo, comida sadia e sufficiente para saciar-lhes a fome; e luz, e tambem a bôa luz, uma luz melhor do que a de kerosene, que lhes é fornecida actualmente.
Movidos por um espírito de humanidade, e pelo dever que temos de pugnar pelo bem geral, levamos os factos que vimos de apontar ao conhecimento do digno Delegado de Policia, exmo. dr. Deusdedit Travassos, a quem não regateamos nossos applausos pela compostura com que se tem conduzido no desempenho de seu elevado cargo, tornando-se credor da estima publica, a fim de que, por si, ou por meio de pessoas de sua confiança, procure syndicar a respeito do descaso em que se deparam os mencionados presos, tomando então as providencias necessarias³.
NOTA: A edição de 10 de março de 1918 do jornal O Commercio traz a seguinte informação: Já foi feita, felizmente, a installação d’agua no edifício da Cadêa local. O serviço foi feito pelo habil installador Abel Garção.
* 1: A atual antiga Cadeia Pública, inaugurada em 1914, e somente 3 anos depois de pronta, já em estado deplorável. Leia “Cadeias” e “Inauguração da Antiga Cadeia Pública: Revisão da Data”.
* 2: Na mesma edição do jornal, uma nota com título “Fuga de Presos” explica o porquê de a terceira prisão estar arrombada: Na madrugada de 9 do corrente, evadiram-se da cadêa local quatro presos. Um dos fugitivos foi logo capturado, seguindo os outros rumo desconhecido. A fuga deu-se por um buraco praticado (talvez com um palito?) na parede, por baixo da janela. Não é a primeira e nem a segunda vez que da nossa cadêa nova fogem criminosos; isto há de se repetir tantas vezes, quantas as que faltarem praças capazes para a respectiva guarda; pois que as prisões offerecem pouca ou nenhuma segurança, e a vigilância fóra é nula. Não sabemos quaes as providencias tomadas a respeito pelas auctoridades; o que sabemos, porem, é que um cabo e dois soldados somente, como existem aqui, não são bastantes para a guarda da cadêa, e para o policiamento de uma cidade como Patos. Na visita que fizemos, domingo passado, à cadêa, encontramos lá apenas um soldado, bastante doente, guardando, deitado (!), a mais de vinte preasos. Nestas condições, as fugas hão de se reproduzir, inevitavelmente, e de onde hão de vir as providencias?
* 3: Aqui a típica ironia de Alfredo Borges, como no caso da nota das fugas dos presos (talvez com um palito?): após elogiar o delegado, o jornalista sugere “syndicar a respeito do descaso em que se deparam os mencionados presos”, como se o chefe de polícia não soubesse.
* Fonte: Texto publicado com o título “Pelos Presos” na edição de 19 de abril de 1917 do jornal O Commercio, do arquivo de Altamir Fernandes.
* Foto: Pixword.net.