A trinta e um de Julho foi a vez do Professor Valeriano. Todos aqui o conhecem; não ha na geração que ora vae assumindo as responsabilidades serias desta vida, senão muitos poucos que não tenham aprendido dos seus labios os rudimentos da leitura e da escripta. Por largo tempo coube-lhe aqui a pre-excellencia do magisterio. E do tempo em que ensinava, traz ainda hoje quasi toda a cidade o conhecimento que tem delle. Ensinar foi sua funcção na vida; e não pequena influencia foi a delle! Imagine-se que em cada cabeça das que hoje armazenam alguma cousa, na geração actual desta cidade, ha um titulo de divida para com o Professor Valeriano.
Em cada uma acendeu as primeiras luzes e deu os primeiros preparativos para a lucta da vida. E se dermos a paternidade mental de cada um áquelle que primeiro lhe depoz na intelligencia a scentelha do conhecimento, esse velho que tombou morto outro dia, pode ser considerado como um patriarcha venerável, que passou quase cincoenta annos a ensinar.
Mas o que é ensinar? Calculariamos bem a quanto monta esse exercicio modesto, que se foi a’ sombra, aos poucos cada santo dia? Pois é tão grande que para abrangel-o de golpe, é necessario a distancia de muitos annos, da mesma forma que para ver formada a terra fora mister observal-a duma altura de muitas legoas.
Só a historia, que, tambem para ensinar, sabe reunir mil paginas numa só intensa pagina, nos dá a medida da importancia e da nobresa do magisterio primario. E’ ella que vem dizer quanto dependem do homem humilde que todos os dias reune em torno de si um certo numero de creanças e lhes ensina o alphabeto, todos esses esplendores da civilisação e todas as conquistas moraes que são a sua dignidade e a sua gloria!
Quando um paiz se quer reconstruir e regenerar, funda escolas, espalha em toda a superficie esses homens humildes, que vão semear germen da riqueza, da felicidade, da gloria. Si quereis ser ricos, proclama aos povos essa mesma Historia, ensinae; si desejais o poder, ensinae; si quereis dignidade, ensinae ainda; si quereis a felicidade ainda ensinae; ensinae sempre as vossas criancinhas e não deixeis nem uma á beira do caminho sem opção do espirito. Pois bem o professor é o unico obreiro dessa tarefa em que a experiencia dos seculos tem achado a origem de todas as grandezas. Nunca deviamos pronunciar esse nome sem veneração − é como o de Pae! Por isso, de todo o coração prestamos uma singela homenagem ao velho, que entre nós, não teve outro officio senão ensinar. Merece bem que lhe recapitulemos a longa vida.
Elle nasceu na cidade de Formiga a 24 de agosto de 1842; era filho de Manoel Rodrigues do Souto. Exerceu o magisterio primario desde os 16 annos, primeiro em Bambuhy, então districto de Formiga. Depois passou-se para a então Villa de S. Francisco das Chagas, seguiu dahi para Dores de Bôa Esperança, em seguida para S. Antonio do Monte, depois foi para o Araxá e finalmente aqui, em 1880. Em 1889, concedendo-se-lhe justo repouso a tão longa actividade, aposentou-se. Não abandonou, porém, o trabalho a que se afizera; continuou de ensinar particularmente¹.
Foi bom mestre; habil e energico; severo e justo. Foi bom homem e bom pae; creou numerosa familia e, depois de uma vida toda dedicada ao Estado, morreu pobre e sem deixar recursos aos seus, como é apanagio dos nossos professores. Mas a sorte quiz lhe poupar o ultimo calice; não lhe quiz o tributo da dôr no ultimo instante. Tomou-o de subito para a Morte; morreu fulminado, em seguida á emoção de ver muito mal uma de suas filhas, tendo sido chamado apressadamente. Cortou-lhe a vida uma syncope cardíaca, ás 2 horas da tarde do dia 31 de julho de 1907.
Pois bem! Vae descansar agora, bom velho! A tua memoria não se ha de apagar tão breve. Nessa grande zona que percorreste, ensinando, havera corações que te vernerem, e aqui, onde o impulso imprimido por ti a centenas de espiritos agora actual, viverás ainda por longo tempo. Tivestes uma vida util e cheia de trabalho. Mereces bem o descanso, e mereces veneração.
És ainda credor da nossa intensa saudade e do nosso reconhecimento. E, com esse sentimento a teu respeito, levamos a tua Familia a segurança da nossa inteira solidariedade com ella na magoa immensa em que a deixou a tua partida.
* 1: Leia “Aula Particular do Professor Valeriano − 1907”.
* Fonte: Edição de 04 de agosto de 1907 do jornal O Trabalho, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernndes.
* Foto: Primeiro parágrafo do anúncio “Aula Particular do Professor Valeriano − 1907”, publicado em 25/03/2019.