TEXTO: EUPHRASIO JOSÉ RODRIGUES (1907)
Compulsando os longes da historia, revendo a chronica das miserias do passado, encontramos na antiga Grecia uma lei que fazia precipitar de uma rocha as crianças que nascessem aleijadas, e dessa lei absurda escapou Agiselau, o Grande; naquelles tempos em um paiz talhado para a guerra a lei encontrou acolhimento apesar do deslavado do sophisma que continha e Lycurgo, seu autor, nem deixou de ser um grande homem; não vá portanto o leitor julgar que estamos atacando os membros do Governo, ou a quem quer que seja, de cujo cerebro dimanou a reforma; taxem-nos embora de hyperbolicos, pois que estamos invadindo terrenos alheios na expressão de Tobias Barreto em sua obra “Menores e loucos” criticando as obras de Lombroso.
O homem é uma funcção de seu tempo, diz Ernesto Renan; si é licito portanto criticar o que é digno de critica, censurar o que é digno de censura, perdoe-nos os legisladores o não sermos optimistas panglossianos, nem comtemporisadores com os vossos desasos. A prova da verdade ahi está: Diz a reforma que o professor não pode ser jurado, elimina-o das mezas eleitoras, cerceia-lhes os direitos de cidadão, tornando-o desta sorte, parte integrante da legião dos innuteis, é justo que a não poupemos.
Lendo a reforma, todas as auctoridades existentes e por existir tem alguma cousa a mandar no professor, tendo continuadamente a espada de Democles, suspensa sobre a cabeça. Como explicar a disposição de lei que diz: nos logares em que houver duas escolas, isto é, uma do sexo masculino e outra do feminino, e tiver frequencia a do masculino e não tiver a do feminino será suspensa a do masculino, sendo transformada em mixta e escola do feminino!
De modo que se o professor for bom e tiver frequencia e a professora não prestar, ficará aquelle preterido em favor desta; primeiro absurdo.
Educa um pae uma filha, faz della professora, e por fim vê-se obrigado e não deixar ella exercer a profissão, pois que nenhum pae ha de querer que sua filha vá ensinar uma sucia de rapazes mandriões, que em sua maioria nunca tiveram sombra e educação domestica; segundo absurdo.
O regulamento esta eivado de tantas iniquidades, de tantos absurdos, que seria fastidioso enumerar; bem sabemos que esta critica , proveniente de uma cidade do interior de nada vale, será comtudo o primeiro golpe de alavanca que ha de concorrer para o desabamento da reforma.
Diz-se por ahi que a independencia do Brasil em 1822 foi feita mais pela imprudencia das Côrtes portuguezas, do que pelo patriotismo dos revolucionarios imperiaes. Mais tarde, quando a reforma for lettra morta e estivar no rol das cousas esquecidas, havemos de dizer que houve uma reforma de ensino primario em Minas, reppelida com todas as forças pelo professorado e a parte sã da sociedade, que fez surgir outra, ungida pelo direito e sagrada pela liberdade.
Continua.
Dr. Euphrasio Roiz.
* Fonte: Texto publicado com o título “Considerações sobre a reforma do ensino primario (continuação)” na edição de 10 de fevereiro de 1907 do jornal O Trabalho, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.
* Foto: Início do primeiro parágrafo do texto original.