Uma destas tardes, a criançada de uma escola infantil brincava à sombra da magnólia, última lembrança do primitivo jardim público construido por iniciativa do Cel. Artur Magalhães, ha vinte e muitos anos atrás¹.
A professora, em cuidados maternais, dificilmente mantinha os pequerruchos na proteção da arvore esquecida.
A sombra era pequena, e os garotos inquietos não se conformavam em tão pequeno espaço. O sol, no entanto, dardejava, e era mister evita-lo. Daí, o trabalho da mestra, que, talvez, no seu diário, sonhasse com um belo e tranquilo parque, onde os seus pequeninos dicípulos pudessem livremente correr, despreocupados dos automóveis, da poeira e do velho fiscal das flores.
Os jardins das praças públicas não foram traçados para as creanças. A simetria de suas linhas, as fidalgas rosas que ostentam, os ciprestes trabalhados, os artificialismos que a mão do jardineiro cria e aprimora, requerem olhos enamorados, inteligências metodizadas que lhes dispensam mimos e carinhos. A mentalidade infante discerne o mundo por outros quadros. Tudo lhe pertence, e como tal tem direito de subjugar, destruir ou possuir. Na pequenez de sua visão, não concebe a ordem universal. E, talvez, como tudo que em torno vê lhe pareça desordenado, prefere a desordem à ordem, a liberdade de movimentos às cadeias da disciplina. O oxigênio puro dos amplos espaços, é, pois, o seu “habitat” natural. Aí, a natureza seleciona o forte, e mata os enfermiços. Educar contrariando certas tendências naturais é erro grave. E destes erros, nenhum mais funesto ao que as crianças se expandam, se vitalizem ao sol e respirem em largos tragos o oxigênio que os arvoredos embalsamam. Assim, bem anda a professora que leva os seus pupilos a brincar pelos jardins.
Mas a mestra, em nossa terra, não tem um jardim por onde passeiar o encanto de nossos lares, as flores de nossa raça.
Os que possue são retos e duros, sem arvoredos e escondem bancos nas quebradas dos ciprestes. Neles, há ninhos para namorados, e não recreios para a inocência.
O quadro vivo apreciado à sombra da magnólia de nosso mais velho jardim, despertou ao rabiscador destas linhas o desejo de sugerir aos poderes públicos municipais a construção de um parque em que a criançada das escolas pudesse se entreter e que, ao mesmo tempo, testemunhasse a delicadeza de sentimentos e a cultura de nosso espírito.
Ha, sôbre o assunto, porém, velho projeto. Pertencia ele a Marcolino de Barros que o fez um dos pontos de seu programa administrativo, quando assumiu à Presidência da antiga Câmara Municipal, depois da luta política que abalou o Município, em 1926². Não foi ele executado por circunstâncias que não veem ao caso recordar.
Em traços gerais, era o seguinte. Possui a edilidade uma faixa de terreno em tôrno à antiga caixa dagua no conhecido capão do Juca Santana. A Prefeitura, então Câmara Municipal, adquiriria do proprietário dos terrenos circuvisinhos a área necessária. Cercado, aos poucos seria embelezado e, imediatamente franqueado ao público. Com esse passo, a Câmara impediria a destruição paulatina do mato, como se vem observando e ao acêrvo municipal se somaria aqueles terrenos que, no futuro, teriam excepcional valor.
Daquela parte aos nossos dias, a mão impiedosa dos lenheiros consumiu a parte mais bela do mato. Esta destruição, em outras terras, talvez fosse crime ante o código florestal.
Por aqui, infelizmente, não tem sido, e esta incúria pesará sobre a cabeça de nossa geração como imperdoavel delito, quando tivermos de sermos apreciados pelos que nos hão de suceder.
A mão firme do atual Prefeito deu à Prefeitura de Patos períodos de magníficas folgas financeiras. As leis do Estado Novo resolvem êstes casos de interesse público de maneira rápida, impedindo veleidades obstrucionistas, restringindo direitos individuais incompatíveis com os direitos da coletividade.
Ha, ainda, que contar ser o atual proprietário dos aludidos terrenos³ velho filho de Patos, cheio de serviços à causa pública, e, acima de tudo, apaixonado cultor das letras, o que viria facilitar a tarefa do ponderado Prefeito Fonseca Sobrinho, se S. Excia. se dispuzesse a levar avante o plano de dotar a cidade com um parque digno de sua privilegiada situação topográfica e de seu progresso material. A tela de intenso colorido romântico que observei à sombra amiga da magnólia, num destes cálidos dias de verão, teria mais fôrça expressiva vivida no ambiente majestoso da mata primitiva. Alí, ao fonfonar dos automóveis se oporia o canto do pássaro, à poeira da via pública o bálsamo das resinas e o cheiro fecundo da terra virgem.
Aquí, fica a sugestão.
* 1: Leia “Sobre o Coreto e o Jardim Público”.
* 2: Leia “Borges x Maciel” e “Borges x Maciel: A Crise de 1925 – 1 a 6”.
* 3: José de Santana.
* Fonte: Texto publicado com o título “Sugestões” na edição de 26 de outubro de 1941 do jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho.
* Foto: Pt.pngtree.com.