RELÓGIO, O

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No final da década de 1950, uma turma abonada de comerciantes e pecuaristas se reunia toda quinta-feira à noite numa sala do Edifício Paranaíba para um prazeroso carteado. Um deles, criador afamado de guzerá, tinha uma mania que não agradava a quase todos: apesar do relógio na parede, quando os ponteiros marcavam dez horas da noite, ele tirava o seu do bolso, daqueles típicos da época, redondo, aberto em concha e com correntinha, tudo de ouro 600 quilates, e dizia em alto e bom som para que todos ouvissem:

– Dez horas, meu lar me chama para um bom sono.

Pura arrogância, só para mostrar a peça valiosa. Até que um dia a turma resolveu por um fim à soberba do amigo, num plano a ser executado em duas etapas. Numa noite, quando ele repetiu o gesto fatal, veio a primeira etapa. Um dos presentes lhe disse:

– Esse relógio não é de ouro nem aqui nem lá na Capelinha do Chumbo. Aposto 10 mil cruzeiros que ele é falso.

A indignação do homem foi indescritível. Mesmo sentindo-se insultado, aceitou a aposta, ficando combinado que o relógio seria avaliado pelo joalheiro mais gabaritado naquele tempo. Só que o dono do relógio não sabia que já estava tudo combinado para o entendido no assunto dizer que o relógio não era de ouro. Dito e feito. Foi um verdadeiro drama para o criador de gado, que, envergonhado, deixou de comparecer aos carteados.

Um mês após, veio a segunda etapa do plano, quando um conhecido lhe perguntou as horas. Naturalmente, o pecuarista tirou o fatídico relógio do bolso. O outro logo se manifestou:

– Minha Nossa Senhora da Abadia, Credo em Cruz Ave Maria, mas que belo relógio. Isso é ouro maciço.

– Infelizmente, não, é só banhado, e muito pouco banhado.

– Ora, ora, você não consegue enxergar ouro puríssimo aí?

–  Né não, foi avaliado e foi provado que não é de ouro.

– Pois quem avaliou não entende bulhufas de ouro. Aposto 20 mil cruzeiros que é ouro puro.

Como um esperto homem de negócios, o pecuarista viu ali uma chance de recuperar o prejuízo e ainda faturar 10 mil. E topou a parada. Os dois foram ao segundo relojoeiro mais gabaritado da cidade, que, já ciente do que falar, autenticou o teor aurífero da peça. Não foi nada fácil para o homem dos guzerás ter perdido mais 20 mil cruzeiros. Como compensação, foi convidado a frequentar novamente o carteado, onde nunca mais apresentou o relógio. De vez em quando, num canto qualquer da cidade, alguém lhe pergunta:

– E o relógio?

Ele, não dando mais importância ao fato, responde com displicência:

– Ora, seu moço, tem dia que ele é de ouro, tem dia que ele não é de ouro e a assim a vida vai rumando…

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 28/02/2013 com o título “Prefeitura em 1916”.

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