ESPERTEZA DO RICARDO, A

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Num dos inúmeros concursos públicos municipais deu-se bem o Ricardo, filho do Geracino, que por muitos anos sustentou a família tocando um boteco no Bairro Brasil. O Geracino já se foi, e o Ricardo continua firme e forte em seu emprego no barracão conseguido através de uma esperteza das mais supimpas.

Na época, o filho do Geracino tinha 19 anos, estudioso, inteligente e que não rejeitava qualquer espécie de trabalho. O que ele menos queria para o seu futuro era repetir a vida do pai, agastado atrás de um balcão de bar suportando cachaceiro. Seu sonho era ser funcionário público. Quando ficou sabendo que a prefeitura ia lançar um concurso público para serviços gerais não pensou nem meia vez, tratou logo de se inscrever. Ele sabia, tinha certeza absoluta, que passaria naquele concurso.

Foram três meses de estudo até o esperado momento. A prova foi aplicada nas dependências do Marcolino de Barros. Em cada sala, 60 concorrentes, ouvindo atentamente as orientações do fiscal. Numa delas, ele disse:

– De acordo com o edital que vocês leram muito bem, acredito, a prova deve ser entregue às 11 horas imediatamente quando o sinal tocar. A partir daí, todos deverão se levantar e me entregar a prova. Daquele que não se levantar após o sinal, não receberei a prova. Entenderam?

Todos entenderam e se puseram mãos à obra. Ao começar a responder as questões, Ricardo se sentiu o homem mais feliz do mundo, pois viu-se já funcionário público da prefeitura de Patos de Minas. Estava concluindo a última questão quando o sinal tocou. Ele estava tão concentrado em caprichar na resposta sobre a origem do nome da Cidade que não se atentou. Quando se levantou, percebeu a mancada. E agora? Tenso, já imaginando todo o trabalho perdido, dirigiu-se ao fiscal para entregar a prova. Este foi duro:

– Pode levar a prova como lembrança da sua falta de atenção. Você está desclassificado.

Um torpor horripilante abateu-se sobre corpo e mente do jovem. A mão trêmula segurava as folhas da prova, o salvo-conduto para a tão sonhada carreira como servidor público. Desesperado, tentou dissuadir o fiscal, sem sucesso:

– Regra é regra, rapaz, e você acaba de provar que não é sujeito a respeitar regras, portanto, tenha um bom dia e torço para que num próximo concurso você seja mais respeitoso com as regras.

Ricardo abaixou a cabeça, já ia se retirando quando, sabe-se lá vindo de onde, acomodou-se em sua mente uma estratégica solução. Ele estufou o peito, encarou os olhos faiscantes do fiscal e soltou o verbo:

– Preste bem atenção, fiscal, parece que você não está se lembrando de mim.

O fiscal, numa soberba relevante, já se preparando para acomodar a pilha de provas numa maleta, com voz empostada respondeu:

– Nunca lhe vi mais gordo, cara.

A ação do Ricardo foi rápida e triunfante. Ele pegou sua prova e enfiou-a no meio da pilha, encerrando o caso com uma irônica despedida:

– Ótimo, cara, então bom dia.

Os comentários sobre o Ricardo como funcionário público da prefeitura são os melhores possíveis.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 28/02/2013 com o título “Prefeitura em 1916”.

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