DIA EM QUE DESEJEI SER O MAD MAX, O

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

O cotidiano às vezes e quase sempre tira a gente do sério. Esse “a gente” se refere àquelas pessoas que têm a noção exata do salutar e imprescindível mote: O nosso direito termina onde começa o do outro. Imagine você distraído e um indivíduo te cutuca. E você é daqueles que não gostam de jeito algum de ser cutucado. Aí o tal indivíduo a todo o momento te cutuca. E a cada cutucada você se enerva. É tipo agrotóxico, que vai se acumulando até provocar um dano irreparável à saúde. Então, você vai se enervando a cada cutucada até que… até que você explode e sabe-se lá o fim da história, pois cada um tem a sua maneira peculiar de extravasar o seu quociente detonante. O que? O que é quociente detonante? De acordo com minhas deduções é a energia concentrada dentro de você que culmina numa explosão emocional fantástica de ira contra uma pessoa ou objeto tendo como consequências, no caso da pessoa, o hospital ou cemitério, e no caso do objeto, a sua destruição.

O cotidiano põe à prova diariamente o quociente detonante daqueles militantes do mote mencionado acima. No meu caso, o que atualmente tem me atormentado que nem as cutucadas indesejáveis é o barulho ensurdecedor das motos possantes que desfilam garbosamente pelos nossos logradouros. Preocupado, já acreditando-me maniado, procurei um Clínico Geral para início de conversa. Eis que, no ato de marcar a consulta, a atendente disse que não mais existe Clínico Geral, pois a medicina brasileira se modernizou e agora Clínico Geral atende pelo nome de Generalista. E ela ainda suspirou emocionada: – Viu como a nossa Medicina evoluiu? Então estive com um Generalista que tecnicamente me encaminhou a um Psicanalista. Lá expliquei que não podia ver moto possante desligada que os pelos eriçam e vem uma sudorese abundante. No extremo, quando os barulhos ensurdecedores se fazem presentes dia, tarde, noite e de madrugada em qualquer lugar da cidade a vontade que me dá é de trucidar o meliante condutor.

Após a anamnese tradicional e análise dos exames complementares, o doutor encarou meu semblante e decretou o diagnóstico: – Meu amigo, você está acometido de SIHOMOPOS. Explicou o médico que diagnostica pelo menos uns dez casos por semana e até está parecendo uma epidemia na cidade. Caso seríssimo, de difícil tratamento e o pior, meu quociente detonante está em sua capacidade máxima. Fui orientado a não sair de casa e usar tampões nos ouvidos dia, tarde, noite e de madrugada. Ah, desculpe prezado, esqueci de definir o que é SIHOMOPOS: Síndrome de Horror à Moto Possante. Continuando, sai entristecido do consultório e imaginando como faria para cumprir as determinações do doutor. Como era sexta-feira, decidi iniciar o processo médico na segunda-feira.

Sábado de manhã, nove e meia, esquina da Rua Olegário Maciel com Avenida Getúlio Vargas, no passeio do antigo Palacete de Amadeus Dias Maciel. Lá estava eu, sereno, mas com os neurônios se digladiando por causa do diagnóstico do doutor psicanalista. O sinal acabara de fechar para os automóveis. Quando fui atravessar ouvi o barulho ensurdecer de uma moto que vinha pela Olegário Maciel. Urrava como mil trovões. Estaquei-me imediatamente e a SIHOMOPOS tomou conta de meu corpo. A moto chegou com uma carona feminina. O condutor deve ter percebido o meu horror e danou a urrar a moto usando toda a potência do motor. Tive a percepção que ele e a garupa riam sarcasticamente. O barulho era tão ensurdecedor que disparou vários alarmes de carros estacionados e assustou a todos os presentes no local. Aquilo foi a glória para o sujeito, que se sentiu o troglodita-mor da Era das Cavernas. Minha temperatura foi subindo, subindo, subindo e o meu quociente detonante estava prestes a explodir quando o sinal abriu para os automóveis. O insano deu uma última risada e, empinado na roda traseira, desceu a Olegário Maciel espantando até urubu a mil metros de altura.

Paralisado, sem ação, pus-me a derivar nos pensamentos. Vi-me na pele do Mad Max; vi-me explodindo um mundaréu de motos; vi-me vendo corpos de motoqueiros explodindo em pedaços; vi-me… um amigo me cutucando e perguntando o que estava acontecendo comigo. Aturdido com o que havia imaginado, bateu-me um tremendo arrependimento. Não pestanejei e corri até a Catedral de Santo Antônio. Rezei com força pedindo a Deus que desconsiderasse aquele pensamento. Funcionou, pois imediatamente me senti aliviado. E aliviado, quando pousei os pés no passeio, passou como um raio em direção à Praça Dom Eduardo uma moto urrando os motores. Ó desgraçado! Voltei para o interior da Catedral e me manifestei: – Senhor, dê um jeito nestes desqualificados, porque da próxima vez não voltarei aqui para desconsiderar o meu pensamento!

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Arte-factos.net.

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