TEXTO: EITEL TEIXEIRA DANNEMANN (2016)
Tem muita gente com problema de Baixa Autoestima em Patos de Minas. É o caso do Fulano, proprietário de uma moderna camionete preta. O que mais o aborrece é rodar pelas ruas da cidade e não ser notado. É como se lhe enfiassem uma faca na pleura. O cara nem dorme direito pensando nesta insensatez dos conterrâneos. Então, para sanar esta dor, equipou a carroceria do seu brinquedinho com um potentíssimo som. Foi numa manhã de véspera de Natal no Centro repleto de transeuntes que resolveu mostrar aos patenses que ele existia. Começou lá no início da Rua Major Gote com o som ligado tão alto que até os moradores de Boassara ouviam. Foi parado no sinal da esquina com a Olegário Maciel que ele teve a sensação da vitória. As paredes trincavam e alarmes de carros disparavam com o som. No seu entorno, praticamente todos lhe dirigiam os olhares. Era o êxtase! O sinal abriu e ele, garboso, seguiu em frente curtindo a sua felicidade, para desespero e desgraça de todos aqueles que lhe notaram.
O Sicrano é outro cidadão com problema de Baixa Autoestima. Lá estava ele parado em seu veículo no sinal na mesma Major Gote esquina com General Osório. O carro era um daqueles populares e tão rebaixado que não se conseguiria enfiar um palito entre ele e o asfalto. O sujeito pertence à mesma tribo do Fulano: a do som ensurdecedor, que naquele momento presenteava os ouvidos alheios com um funk que derrubava da cama senhorinhas residentes na Vila Padre Alaor. O sacatrapa ao volante estava com o braço apoiado na porta, bonezinho para trás e, mais do que evidente, extasiando-se com as centenas de olhares aborrecidos, e se perguntando: – Gente, estão me vendo? O sinal abriu e aquela coisa que ele considera automóvel, que empaca o trânsito por não poder andar rápido senão o fundo do carro atropela as formigas, saiu saltitando que nem uma gazela, para alívio de todos ali presentes.
Mas, felizmente para os normais, o Fulano e o Sicrano terão sérios aborrecimentos pela frente por causa de uma decisão do CONTRAN-Conselho Nacional de Trânsito. Os motoristas que forem pegos com som alto no carro, em movimento ou parado, estão sujeitos a multa sem a medição dos decibéis do barulho. Quem for flagrado com som que pode ser escutado fora do veículo será penalizado com infração grave, no valor de R$ 127,69. Mas peraí, o que tem a ver o Fulano, o Sicrano e essa decisão com o título deste artigo? Bem, antes de responder a esta questão preciso falar do Beltrano!
É notório que a indústria investe muito dinheiro para produzir motocicletas silenciosas, mesmo as mais possantes. A gente vê muitas delas rodando por aí. Mas, infelizmente, há mais um elemento com problema de Baixa Autoestima pertencente à tribo do Fulano e do Sicrano: o Beltrano. O Beltrano sente uma dor terrível na subpleura (existe isso?) quando o duo fantástico – ele e sua potente moto – não é notado em seu turismo pelos nossos logradouros públicos. Ó calamidade! Para suprimir esta insensibilidade do povo, ele mexe no escapamento da moto para deixá-la infernalmente ensurdecedora. E assim, com a moto infernalmente ensurdecedora, fazendo vrum-vrum de 2 em 2 segundos, o duo fantástico sente-se nos píncaros da glória quando se vê enxameado de olhares enfezados. É o máximo para ele!
Agora sim, explicado quem é o Beltrano, vamos à futura cena inusitada em Patos de Minas. Fiquemos na esquina tradicional da Major Gote com Olegário Maciel. Lá vem um normal no seu carro normal ouvindo Osmano e Manito. Logo se percebe que o sujeito em questão tem bom gosto. E o cara com bom gosto ouvindo o Osmano e Manito parou no sinal vermelho da tal esquina. Várias pessoas na calçada ouvem de leve o som, mas muito leve mesmo, sem incômodo algum, principalmente porque a música de Osmano e Manito não incomoda ninguém, muito pelo contrário, é um deleite. De repente, lá na esquina, um policial… Pausa para uma pergunta: Qual foi a última vez que você presenciou um policial nas esquinas do Centro? Pois bem, tive então que colocar o policial na esquina para escrever o artigo. Continuando, o policial ouviu a música, e sabedor que agora som ouvido fora do carro gera infração grave de trânsito, partiu para cumprir o seu árduo ofício, não porque o motorista estava ouvindo o Osmano e Manito, mas pelo Osmano e Manito estar sendo ouvido fora do carro.
Foi quando um Beltrano com sua moto possante e escapamento aberto parou ao lado do ouvinte do Osmano e Manito. Lá ficou ele, o Beltrano, fazendo os característicos vrum-vrum que irritavam até os habitantes de Major Porto. E lá veio o policial, e enquanto o policial vinha, todos nas adjacências, incluindo o povo de Major Porto, acreditaram que a autoridade ia dar um basta naquele ensurdecedor barulho. Qual nada! A Lei é só para quem extrapola o som do carro além de seu interior. O coitado do ouvinte do Osmano e Manito foi multado e o vrum-vrum ensurdecedor, com o aval das autoridades, vai continuar sendo ouvido em qualquer hora do dia vindo de todas as partes da cidade. Assim se sucederá a futura cena inusitada em Patos de Minas. Aguardem!
* Foto: Conceptsvisual.com.br.