Domingo, dez horas da manhã, numa propriedade rural do distrito de Pilar a vida segue seu destino costumeiro. Dona Maricota, de bassora em mãos, dá um trato no terreiro, enquanto a filha Isabel ajeita a baduquera. Na varanda, o patriarca Zé Alonso observa a chegada do cumpadi Tonhão na sua conhecida caminhonete D-10, que vai logo reclamando:
– Cumpadi do céu, nunca passei por tanta bacada, sô!
Após os cumprimentos tradicionais entre todos, Dona Maricota serve um café coado no fogão de lenha acompanhado de pães de queijo assados no forno de barro. A conversa flui que é uma beleza. Num momento, Zé Alonso ajeita as precatas, dá uma longa baforada no cigarro de palha e pergunta:
– Será que a Mariinha da Inhá tá mesmo pejada?
O cumpadi responde:
– Seria uma desgracia pelada para a Dona Inhá que cria aquela menina com tanto zelo.
– Se for verdade, a menina tá no pau da goiaba.
– É o que tão dizendo por aí.
– Acho que é candonga do povo.
– Dizem que o pai é filho de um graúdo de Patos, e que não quer a criança.
– Ora, é de ficar indinado.
Nisso, chega o Mateuzinho, filho do Zé Alonso, 19 anos, com cara de brabo e já se intrometendo na conversa:
– Nada disso, gente, o negócio daquela menina é puxar um beck, é uma nóia de primeira. Ela é uma pega pau, por isso adora dar um rolê lá em Patos para conseguir suas coisas. Ela tá de chico, podem conferir. Além do mais, um sujeito inteligente não se envolveria com aquela carranca.
Zé Alonso e Manoel trocaram olhares e deram os pregos com o garoto:
– Menino, ocê tá rezingando com a Mariinha porque tá com ciúme daquele carranhento do Alfredinho – retrucou o pai.
– É, ele é mesmo catingudo e macuquento, e é mió ocê falar direito pra gente entender – emendou o Tonhão.
– O que é rezingando – perguntou o Matheuzinho?
– Ora, rezingando é rezingando, num é mesmo, cumpadi?
– Esse menino tá é com embulia, pensando nos paninho de bunda do neném, ainda mais que mijou no barranco com ela – falou Zé Alonso numa sonora gaitada.
E o Mateuzinho:
– Pai, Seu Manoel, assim não dá para entender o que vocês estão falando.
Os dois cumpadis ao mesmo tempo:
– Ora, e quem entende o que você está falando? Ocê tá com algum ingastaio?
Já saindo de mansinho, o Mateuzinho falou:
– Gente, a Mariinha é uma peganinguém, não caiam nesta pilha. Vou sartá de banda pra não pagar vecha com vocês dois.
O Manoel falou:
– Deixa o menino, Zé Alonso, não fique descochado, é mió a gente fazer uma fritangada porque já está na hora de uma pinga.
– É, não vou ficar aqui babatando porque não dá mesmo pra entender a linguagem dessa juventude de hoje.
EXPLICAMENTO
BABATANDO – Conjeturando; BACADA – Baque produzido em veículo por acidente de terreno; BADUQUERA – Porção de objetos diversos; BASSORA – Vassoura; BOLODÓRIO – Palavreado, palavrório, palanfrório; BRABO – Muito bravo; CANDONGA – Intriga, mexerico; CARRANCA – Mulher feia; CARRANHENTO – Pessoa de parcos hábitos higiênicos; CATINGUDO – Aquele ou aquilo que cheira mal; CUMPADI – Compadre; DERAM OS PREGOS – Zangaram, enraiveceram; DAR UM ROLÊ – Sair, passear; DESCOCHADO – Desapontado; DESGRACIA PELADA – Extrema desgraça; EMBULIA – Raiva, nervosismo; EXPLICAMENTO – Explicação; FRITANGADA – Fritada; GAITADA – Gargalhada; GRAÚDO – Pessoa de importância ou que possui haveres de valor; INDINADO – Indignado; INGASTAIO – Problema; MACUQUENTO – Pessoa encardida, suja; MIJOU NO BARRANCO – Prometeu e não cumpriu; NÃO CAIAM NESTA PILHA – Não acreditem nesta mentira; NÓIA – Usuário de droga, que trafica, drogado; PAGAR VECHA – Passar vergonha; PANINHO DE BUNDA – Fralda; PAU DA GOIABA – Situação complicada; PEGA PAU – Aquele que admira as coisas dos outros; PEGANINGUÉM – Pessoa que não consegue ficar com ninguém; PEJADA – Embaraçada, grávida; PRECATAS – Chinelos feito de pneu; PUXAR UM BECK – Usar droga; REZINGANDO – Implicando; SARTÁ FORA – Ir embora; TÁ DE CHICO – Menstruada; ZURETA – Confuso.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 10/04/2017 com o título “Jardineira de Pedro Gomes Carneiro”.