Quando chegamos à Fazenda Conceição, nos arredores de Patos de Minas, sentimos que não nos ia dar vontade de sair dali tão cedo. A casa – que é grande e confortável – está cercada por um lago, mata, rosas e orquídeas. Mas é um pouco mais abaixo dela que estão as razões da nossa visita. Lá, ficam os canteiros onde seu proprietário – “sempre gostando de agronomia e pesquisando plantas”, como o professor Moacir Viana de Novaes se define – desenvolve suas pesquisas. Entre elas está o centeio branco (“uma birra de 35 anos”), como ele chama o trabalho que resultou na criação da variedade única do cereal em todo o mundo.
DE PNEUMÁTICO A CENTEIO BRANCO – Por volta de 1932, começou-se a produzir no Brasil mistura de trigo mais raspa de mandioca que, segundo o prof. Viana “era muito imprópria à panificação, pois dava um belo pneumático”. Também o milho, embora seja usado com o trigo na fabricação de pães, não dava uma boa mistura, já que seu tempo de cocção é maior, ficando o pão ou com o trigo assado demais, ou tomando gosto de milho cru. Interessado em obter um componente melhor para o pão, e que economicamente pudesse ser produzido dentro do País, prof. Viana tentou a combinação do trigo com o centeio – ainda escuro na época. O resultado, porém, não foi satisfatório porque, como conta ele, “o pão ficou com um aspecto sujo, como se nele se tivesse colocado serragem de madeira”.
Achando que aplicar a genética no campo para clarear o centeio seria “muito mais fácil que convencer o consumidor de que o pão era escuro porque em todo o mundo o centeio é preto”, Moacir Viana passou a dedicar-se ao trabalho de tornar branco o cereal. Nessa época – por volta de 1934 – ele tinha recebido de Ponta Grossa algumas amostras de centeio, nas quais observou existirem grãos mais claros, embora a maioria fosse escura – o que é normal. “Selecionei aqueles grãos e fiz seu plantio. Em seguida passei ao cruzamento entre si dos menos escuros, mas observei no decorrer do trabalho, que isso não seria o bastante para torná-los mais claros. Apreendi, então, suas flores e, cobrindo-as com papel impermeável, passei a autofecundá-las artificialmente. Isso porque, como o milho, o centeio é um vegetal heterógamo, que se cruza com muita facilidade. Assim, um pé de grãos mais escuros poderia fecundar outro de grãos mais claros, pondo a perder todo o trabalho. Tornando-o planta autógama (ou autofecundável), o trabalho de cruzamento entre os grãos cada vez mais claros estaria garantido”.
No entanto, da mesma forma como acontece com o milho quando é autofecundado, o centeio foi perdendo seu vigor híbrido, caindo em tamanho e desenvolvendo-se pouco. “Fui obrigado a voltar atrás” – continua ele. “Tive de estabelecer 100 linhagens dos grãos mais claros e passei a cruzá-las entre si. Quanta mais branca a linhagem, mais eu a cruzava, num processo de eliminação daquelas mais escuras. Desta forma, o centeio voltou à exuberância natural híbrida e foi possível fazê-lo multiplicar-se sempre mais claro, até torna-lo branco”.
Apesar disso – 30 anos de pesquisas – Moacir Viana não se deu por satisfeito. Posteriormente também descobriu que, entre os vários grãos do centeio, havia alguns muito grandes. Baseando-se na hipótese de que deveriam existir alguns gens que predominavam para que aqueles grãos fossem de maior tamanho, ele passou a fazer cruzamentos entre os maiores grãos, pela autofecundação de linhagens de indivíduos grandes, procedendo como no trabalho de torná-lo branco. Nessa etapa, mais cinco anos de pesquisas foram necessários para deixar o cereal (agora já branco) ainda melhor, aumentando seu tamanho a quase o dobro.
NADA É DEMAIS PARA UMA PLANTA – A disseminação, no Brasil, do trabalho com centeio desenvolvido pelo prof. Moacir Viana é muito pequena, sendo que, somente agora, ele está fornecendo amostras do cereal aos pesquisadores. “Isso porque eu ainda não estava convencido de estarem terminadas as pesquisas – como não estão. O trabalho com o centeio branco pode ainda ser melhorado nas mãos de outro pesquisador, que tenha a paciência de trabalhar 35 anos com ele, o que não é demais para tornar uma planta cada vez melhor. Depois dos três enfartes que sofri, penso estar na hora de entregar o trabalho para as Estações Experimentais, embora só pensasse em fazê-lo depois que ele estivesse completamente concluído”.
Entre o que pode ser feito no centeio do prof. Viana, estão os estudos e experimentações para diminuição da altura da planta. Também o estabelecimento de uma época única para amadurecimento das espigas é outro trabalho que, mesmo estando quase concluído, pode ter continuidade. A eliminação dos pés que produzem e amadurecem em épocas diferentes e a seleção e o desenvolvimento daqueles que florescem em um mesmo período contribuiriam para uniformizar a colheita do centeio, feita pelas mesmas máquinas que colhem o trigo.
Mas, enquanto no Brasil seu trabalho está ainda pouco divulgado, amostras do centeio branco já estão correndo a Europa. Através do engenheiro-agrônomo Ernst Lamster, técnico do convênio Brasil/Alemanha, elas estão sendo pesquisadas por especialistas alemães, que pretendem também estabelecer contatos pessoais com Moacir Viana. Outras amostras serão enviadas ao México, o que garantirá ainda mais a continuidade do trabalho desse brasileiro simples e amante do trabalho pelas plantas.
UMA VIDA DEDICADA À PESQUISA – Moacir Viana é engenheiro-agrônomo formado pela extinta Escola de Agronomia e Veterinária de Belo Horizonte. Foi o primeiro diretor da Estação Experimental de Sete Lagoas (hoje, IPEACO). Depois de cinco anos de trabalho em Sete Lagoas, foi convidado pelo então Presidente Olegário Maciel para instalar uma Estação Experimental em Patos de Minas. Ali iniciou os trabalhos com o centeio, mais tarde continuados na Fazenda Conceição.
Entre os episódios interessantes de sua vida de pesquisador, está a palestra improvisada que apresentou na Academia de Ciências de Belo Horizonte. O tema escolhido pelos presentes foi melhoramento do trigo, e prof. Viana conta que, após quarenta minutos de apresentação, o assunto estendeu-se por mais uma hora e tanto. “Disse aos presentes que iria plantar o trigo em Patos” – diz ele – “e tive o desaforo de convidá-los a assistir à colheita, para a qual não me desculparia com falta ou excesso de chuva, frio ou calor, moléstia ou praga de espécie alguma. Apenas reservar-me-ia o direito de obter seis vezes a produção da Argentina (800 quilogramas) e oito vezes a produção do Uruguai por área (600 quilogramas), países que se auto-abastecem de trigo. Pois bem, cento e trinta dias depois, eu colhia 4.358 quilos do cereal por hectare aqui em Patos”.
Atualmente são desenvolvidos na Fazenda Conceição experimentos com semente de Opaco-2 (da Agroceres), que é variedade de milho muito importante na alimentação humana e animal, devido aos altos índices de proteína que apresenta. Também são conduzidas pesquisas com feijão, hortaliças e orquídeas, além de melhoramentos de gado. Moacir Viana nos mostra várias amostras de feijão que criou: “Cruzei a variedade Jalo, do Paraná, com o nosso roxo, e obtive feijões que têm alta produção. Atualmente eles estão com seis gerações seguidas, e isso significa que já estão fixados, não se segregando mais”.
Fora seu amor pelas plantas, prof. Viana tem experiências fantásticas no seu relacionamento com a natureza. A domesticação de 150 traíras, por exemplo, que eram chamadas por ele à beira do lago da fazenda, quando se viravam para serem coçadas por uma varinha. Ou como o ouriço-caxeiro, que um dia apareceu por lá, foi tratado pelo prof. e não quis ir embora. Também com os 35 patos selvagens que havia no lago o fato se repetiu – ele gritava “pato, pato”, e vinham todos receber comida de suas mãos. Agora, é ele quem conta: “Uma rolinha fez o ninho entre as orquídeas. Eu ia para lá, ela voava. Eu voltava, ela voava. Depois, passou a não se assustar tanto; eu chegava pertinho, e ela não fugia. Por fim, eu levava-lhe ração de galinha, e ela comia na minha mão…”.
CIDADÃO DA TERRA – Embora não seja de Patos de Minas (ele nasceu em Muzambinho), prof. Viana está naquela cidade desde 1932. Ali criou os seus três filhos, um dos quais, Dr. Roberto Viana, é atualmente professor no colégio de pós-graduação da Universidade Federal de Viçosa, onde estudou agronomia.
Há três anos, contemplado pela Câmara Municipal com o título de Cidadão Patense, prof. Viana deu prova de seu espírito alegre e do seu carinho pelo lugar, com improvisação dessas palavras: “Muito me admira o fato de vocês quererem me oferecer uma coisa que é minha. Eu tenho o direito de ser patense, pois aqui estou há 40 anos. Vocês nasceram aqui independentemente de sua vontade. Eu, não. Vim para Patos maior de idade, casado, vacinado, engenheiro-agrônomo, e não saio daqui sob condição alguma! Recebo o título, guardo-o, mas acho que é uma duplicidade o que vocês estão me oferecendo. E tem mais: se a cidadania de Patos não me fosse concedida, eu iria recorrer ao Promotor de Justiça, ao Juiz de Direito, ao Supremo Tribunal, ao patense mais velho, às árvores, aos animais, aos rios e à terra do município para ter, pelo menos, o direito de aqui ser enterrado”¹.
* 1: Moacir Viana de Novaes faleceu seis meses após a publicação desta reportagem, em 17 de junho de 1974.
* Fonte e fotos: Texto de Ricardo Franco Rei (ACAR) publicado com o título “Da Pesquisa e do Centeio Branco, Uma História de Amor” na edição n.º 09 de setembro/dezembro-1973 da revista da ACAR “Extensão em Minas Gerais – Seção de Patos de Minas”, do arquivo de Rodolfo Magalhães.