MILAGRE NA CATEDRAL

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Lá pelos idos de 1980 um determinado fotógrafo, ainda pouco conhecido, foi registrar um casamento na Catedral de Santo Antônio. Como perfeccionista que é, chegou muito antes dos convidados para checar o ambiente. Analisou daqui, analisou dali, até ter em mente a noção exata do que fazer.

Já com o culto em andamento, ele vislumbrou uma cadeira de rodas encostada num canto da igreja. Hum, pensou ele com seus botões, será muito interessante se eu me sentar naquela cadeira de rodas para, confortavelmente, zanzar pelo espaço e focar os melhores ângulos. Assim se deu. Ele lá, com a câmara na mão, e muita gente pensando alto:

– Que exemplo de vida, hêim?

– Quem é ele?

– O nome eu não me lembro, mas já ouvi falar. Só não imaginava que era aleijado.

– Que legal, mesmo numa cadeira de rodas ele trabalha feliz!

A cerimônia transcorreu de acordo com o figurino, tudo nos trinques, o casal de noivos já não era mais noivos, estava devidamente casado de acordo com a Santa Igreja Católica, com todos os lances importantes sendo captados pelas lentes vigilantes do amigo fotógrafo. Na porta, quando os recém-casados começaram a receber os cumprimentos de praxe, o fotógrafo estava tendo dificuldades em se locomover entre o povo com a cadeira de rodas. Considerou que seria conveniente estar de pé para focar melhor as pessoas. Sem pestanejar, ele se levantou e começou a captar os tais melhores ângulos. De repente, alguém disse num tom alto e repleto de religiosidade:

– Aleluia, Glória a Deus! O fotógrafo está curado!

Foi um Deus nos acuda dentro da igreja. Num segundo várias vozes fizeram coro:

– Milagre, milagre, milagre!

Foi o bastante para o povo esquecer o novo casal de casados da cidade e transformar o evento numa confusão total. Todos queriam tocar naquele que acabara de se levantar de uma cadeira de rodas graças às graças divinas. O amigo fotógrafo não sabia o que fazer e sem condições de sair do meio da turba optou por ficar quietinho para ver até quando ia aquele imbróglio. Imbróglio este que foi solucionado aos poucos com a intervenção do padre e do casal, que, aos berros, explicaram que não havia acontecido milagre algum, que o homem da cadeira não era aleijado, mas somente o fotógrafo que havia usado a cadeira por conforto.

Houve um silêncio geral. Captadas as palavras, a turba se voltou para o fotógrafo. Fotógrafo, cadê ele? Perspicaz que era, já prevendo a mudança de humor do povo, enquanto este o procurava ele já estava chegando em Presidente Olegário. E durante muito tempo não registrou evento na fatídica, para ele, igreja.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 10/04/2017 com o título “Jardineira de Pedro Gomes Carneiro”.

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