Minas, apesar de apenas três séculos de existência, é berço de pessoas notáveis, surpreendentes, e com coração de liberdade. Carlos Drummond de Andrade, o farmacêutico poeta, das minas gerais do quadrilátero ferrífero, tinha razão ao dizer que temos um peito de ferro (e o coração de ouro), pois persistência é o que nunca faltou no cidadão-alterosa.
Como exemplo, cito o nonagenário Ary Guimarães, que escreveu o livro Dr. Ary, a família Guimarães & o Hospital Nossa Senhora de Fátima – Nossa história. A obra, de 256 páginas e comentários de Belmiro Teles e Olímpia Teles, conta parte da genealogia da família Guimarães desde antes de 1720, data do aparecimento da capitania mineira, desmembrada da capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Genealogia apenas como ponto de partida, referência desde os Pereiras e Guimarães, originários do norte de Portugal, de onde alguns integrantes chegaram ao Brasil, junto com a nova capitania, no início do apogeu do ouro nestas bandas.
Ary nasceu em 11 de julho de 1924 na fazenda Paraíso, no distrito de Santana de Patos. Estudou lá em escola fundada pelo pai, Honorato Guimarães, pelo avô Pedro Francisco Guimarães, e o tio-avô, Francisco Pedro Guimarães, gêmeos. Continuou os estudos em Patrocínio e no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte. Formou-se em medicina em 1951 pela UFMG, especializando-se em cirurgia-geral em Chicago, EUA. Também passou por Nova Iorque, onde fez outra especialização. Foram dois anos no estrangeiro.
Foi um dos principais cirurgiões da Previdência do Estado, o Ipsemg, adjunto do diretor Dr. Cílio de Oliveira, e auxiliar do professor Lucas Machado no Hospital São Lucas. O mais interessante na sua trajetória é que Ary Guimarães teve dificuldades para chegar aonde chegou. Muitas. Principalmente em relação à política, pois não teve apoio de Patos nem do Estado. Entretanto, a determinação sempre falava mais alto, distribuída entre a educação que recebeu em casa, a honestidade, a gratidão, a religiosidade e o amor em ajudar o seu povo, e a quem mais pudesse. Com Lucas Machado teve um episódio superinteressante – como quase tudo, foi promissor e com tanta sorte, que deve ter intervindo a Divina Providência. Aconteceu, quando de sua volta dos Estados Unidos, com uma das filhas do Sr. Ferreira Guimarães, um dos nomes mais influentes da sociedade mineira, que estava com sintoma sério que a levaria à morte iminente, e o grande mestre Lucas Machado não conseguia resolver. Ary fez o diagnóstico e, em poucas semanas, com relatórios transmitidos de 6 em 6 horas pela Rádio Guarani sobre o estado de saúde da paciente, em virtude de um acordo que ele fez para que “toda a cidade” deixasse de ir ao São Lucas e não colocasse em risco a vida da senhorinha Pentagna Guimarães, por excesso de visitas, resolveu o caso, que ficou famoso em Belo Horizonte, com repercussão estadual.
Figuras importantes da nossa medicina, como Alberto Caram, Dario Faria Tavares, Ângelo Teixeira da Costa, Bolívar Drummond, Sávio Nunes, Nicolau Cardoso Miranda, José Mário Marcondes Reis e José Ximenes de Morais fizeram parte do convívio profissional do jovem médico.
Ary Guimarães acolheu pedidos de vários rincões importantes de Minas Gerais e de São Paulo, atendendo casos inesperados e dificílimos de serem resolvidos pela medicina da época, como nos conta Nossa história.
Bom, o livro é ótimo de ler. Leitura facilitada, com cuidado, para todos. Narra sobre uma das partes nobres da história da medicina de Patos e região, de Minas e do Brasil. Apenas dizemos que o Dr. Ary foi, com seu pai Honorato, o avô Pedro e o tio avô Francisco, os gêmeos fundadores da cidade de Guimarãnia, Dr. José Wilson Ferreira Pires e outros, o fundador do Hospital Nossa Senhora de Fátima S.A., na já “metropolitana” Patos de Minas, de 30 mil habitantes, com arquitetura arrojada, o maior prédio da cidade, com quatro andares, e que se tornou cartão postal. Dezenas de idas e vindas a Belo Horizonte, São Paulo e à então capital federal, Rio de Janeiro, para colocar o projeto em prática até terminá-lo. Figuras como Juscelino Kubitschek, Olegário Maciel, Leopoldo Dias Maciel, Adélio Dias Maciel, Raul Teixeira da Costa, Tancredo Neves, Mauro Costa, Duque de Mesquita, Bias Fortes, Maurício Fiúza, Leonel Brizola, entre tantos outros, fizeram parte da história. Mas o contato mais importante foi com José Maria Alkmin, antes e mais tarde como ministro da Fazenda.
O legado mais expressivo deixado pelo Dr. Ary Guimarães foi o Hospital Nossa Senhora de Fátima e sua contribuição à medicina no Estado, como um dos maiores profissionais da área da saúde, e um dos maiores cirurgiões que Minas já teve.
Como fazendeiro, experiência que tinha da família, foi o introdutor em Minas do “porco tipo carne”, tornando-se grande produtor também de gado leiteiro, e na agricultura. Fundou em1972 a Associação dos Suinocultores do Estado de Minas Gerais (ASEMG), com sede em Patos, e depois transferida para Belo Horizonte, sendo seu presidente por duas gestões.
Casou-se com Lily Azevedo Guimarães, filha do empresário Olímpio Lourenço de Azevedo, tiveram seis filhos e quatorze netos. Permaneceu a maior parte de sua vida em Patos, onde ainda reside, progressista e bela cidade de 150 mil habitantes, Capital Nacional do Milho e terra de personalidades cultas e expressivas como Olegário Maciel (filho adotivo, nascido em Bom Despacho) e Sebastião Alves do Nascimento.
* Fonte: Texto de Ozório Couto (Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de MG e da Arcádia de Minas Gerais) publicado com o título “Medicina & Cidadão Exemplares” na edição de 28 de março de 2015 do jornal Folha Patense.
* Foto: Capa do livro (Eitel Teixeira Dannemann – 30/03/2015).