AVIÃO E O ZÉ DA NACIONAL, O

Postado por e arquivado em ARTIGOS.

TEXTO: AGENOR GONZAGA (1983)

Mil, novecentos e cinquenta e poucos. O aeroporto, que chamávamos campo de aviação, ficava quase dentro da cidade, para lá do lado de lá tudo era campo de aviação. Morávamos à beira desse temido campo de pouso, e bastava um avião colocar-se em movimento de decolagem para que o coração viesse à boca e a boca passasse a murmurar benditos e crem-deus-padres, e o avião raspava, indiferente ao nosso susto e ao nosso medo, as nossas frágeis casas, onde vicejava a medrosa tropa das trêmulas crianças. O avião era o nosso terror, mas era o nosso encanto. Fora das casas, no campo, ficávamos à sua cauda aguardando o vento, e o vento vinha do mover das hélices, num poderoso flap! O vento nos lançava pedrinhas doidas, colocando em nós a sensação do vôo jamais experimentado. Vento nas caras, camisas enfunadas, éramos um grupo de páraquedistas que não saia do chão.

Por essa época, a empresa aérea tinha aqui em carregador que era uma espécie de faz-tudo, pau pra-toda-obra, que todos conheciam e estimavam, figura folclórica de quem os meninos temiam o espalhafato e os bem humorados sustos: O Zé da Nacional. Ah! que bom vê-lo em seu uniforme azul, sorriso pra cá, pra lá, boa vontade, prontidão, delicadeza, cortesia, que nem propaganda de loja!

Quando a Nacional foi incorporada à Real o Zé passou de uma a outra empresa, mas continuou, para todo mundo, o Zé da Nacional. Com igual presteza, igual cordialidade, sem outro desejo que a satisfação dos usuários e sem outro orgulho que aquele uniforme (agora branco) e seu humilde status.

As companhias aéreas acabaram. Esta semana vi o Zé da Nacional: o mesmo jeitão de menino, a mesma amabilidade… mas nenhuma alegria. Ele agora faz isto: capina quintal, trabalha por dia. E me disse que não houve nenhuma compensação pelos longos anos de serviço dedicado. No Zé envelhecido, só ficou o apelido carinhoso, e a lembrança de tempos mais amenos, quando a realidade lhe permitia sonhos e vôos, e o pão menos amargo, menos incerto…

* Fonte: Texto publicado com o título “Avião” na coluna Encontro Marcado da edição n.º 81 de 30 de novembro de 1983 da revista A Debulha, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Do arquivo do MuP, publicada em 07/02/2013 com o título “1.º Pouso de um Avião”.

* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.

Compartilhe