VERDE URBANO DESBOTADO

Postado por e arquivado em HISTÓRIA.

MOCAMBO 3Não é novidade falar de áreas verdes públicas abandonadas no Brasil, locais vítimas do descaso político, com poucos investimentos, onde a qualidade e a manutenção não são prioridades. Embora praticamente todas as cidades possuam áreas verdes públicas, poucas têm esses espaços de forma organizada, de modo que não representem apenas espaços desconectados na malha urbana, sem planejamento, qualidade e manutenção. As áreas verdes possuem valor ambiental histórico e cultural, são parte da paisagem urbana e da identidade das cidades, são locais de lazer e contemplação e que muitas vezes configuram Áreas de Preservação Permanente.

Um exemplo dessa situação de abandono de áreas verdes é o caso do nosso Parque Municipal do Mocambo. O parque, projetado na década de 80 como uma mistura de clube, parque e zoológico, com o decorrer do tempo foi sendo abandonado pelos governantes e pela população, sem atrativos e pouca manutenção, apesar de ser alvo constante das promessas políticas.

Quando criança, frequentava bastante o Parque do Mocambo, brincava no parquinho infantil onde fazia novas amizades; hoje não existe mais parquinho. O parque tinha um pequeno zoológico e mais ou menos às seis da tarde eu escutava lá da minha casa o leão rugir e quando não escutava pensava que ele tinha fugido; hoje não existe mais zoológico, restaram apenas ruínas. No local também havia uma grande piscina onde andei de canoa pela primeira vez; atualmente a piscina está desativada, restaram as poças de chuva. O parque tinha um grande brejo que depois foi drenado e transformado em lagoa, com muitos sapos que em época de chuva chegavam a entrar nas casas; agora esse espaço da lagoa está abandonado, o acesso é difícil, o mato, alto, e a conservação, precária. O Mocambo tem trilhas dentro da mata onde podíamos ficar mais perto da natureza, eu pensava que aquilo era uma selva enorme cheia de magia; bem, pelo menos a “selva” continua lá, a magia é que está se acabando. Aos poucos a infância foi acabando, muitas das qualidades de parque ficaram apenas nas lembranças.

O Parque Municipal do Mocambo, inicialmente um empreendimento particular denominado “Mocambo Clube de Recreio”, foi projetado pelo arquiteto Lizandro Souza na década de 1980. O local foi desapropriado e adquirido pelo poder público do município em 1985, mas só se transformou em parque urbano em 1990. O Mocambo caracteriza-se como um fundo do vale no meio da cidade, com aproximadamente 17 hectares, e possui em seu interior a Mata do Tonheco, que abriga as nascentes do Córrego da Caixa d’Água, fonte do primeiro sistema de abastecimento de água da cidade.

A partir da construção do parque, constata-se uma mudança significativa no padrão de produção do espaço urbano de seu entorno. A maior parte das áreas próximas ao parque só foi ocupada após a inauguração do Mocambo em 1990, o que demonstra que o parque influenciou os rumos do crescimento urbano, trazendo investimentos em infraestrutura para uma parte da cidade que até então era considerada borda urbana.

Nos anos de 2004 e 2005 o local passou por reformas para minimizar os constantes problemas de drenagem. Após essa intervenção, os cuidados para garantir a manutenção e a qualidade do parque foram diminuindo, até chegar a um total abandono. Com isso veio a depredação, a falta de segurança, a falta de infraestrutura para as atividades de lazer e recreação, a escassez de atividades oferecidas e, aos poucos, a população começou evitar frequentar o local. O parque, que deveria ser um local de interação com a natureza, agora possui um aspecto sujo, descuidado, abandonado, cheio de pichações, algumas delas de protesto.

Em março de 2012, foi construído no parque o Conservatório Municipal, na área do antigo parquinho infantil. Este não foi relocado, simplesmente desapareceu. O Conservatório contribuiu para melhorar a dinâmica de funcionamento do parque, incentivando seu uso nos dias de semana e durante os horários comerciais. Era de se esperar que esse novo uso atraísse mais olhares para o parque patense, que exclama por requalificação. Apesar disso, não foram tomadas medidas de projeto para a integração do conservatório ao parque, garantidas pelo cuidado com a acessibilidade dos usuários.

MOCAMBO 2O parque apresenta um relevo bastante acidentado. Sua configuração é de fundo de vale e, por isso, dois problemas são mais frequentes: fortes enxurradas estragam parte do piso e até mesmo o mobiliário; áreas de erosão são formadas próximas às áreas de nascentes. A falta de manutenção contribui para o agravamento desses problemas e, com a demora na busca de soluções, mais caros se tornam os reparos.

Além desses, existem problemas referentes a fatores de projeto, por exemplo: ausência de comunicação visual que oriente os usuários dentro do parque; falta de equipamentos e atividades atrativas; escassa integração do parque com a cidade e com a cultura local; falta de tratamento paisagístico; e ausência de uma central de administração, segurança e apoio aos funcionários e frequentadores do local.

Com relação à mobilidade urbana, não há linhas de transporte público que cheguem até o parque, nem ciclovias. Faltam calçadas em alguns locais do entorno, e as que existem são, em sua maioria, estreitas e sem acessibilidade. O estacionamento para carros é insuficiente e não existe sequer faixa de pedestre entre o estacionamento e o parque. Andar de bicicleta passou a ser proibido em alguns locais dentro do parque; entretanto, é comum ver motociclistas atravessando o parque e por vezes até carros estacionados dentro do Mocambo.

Em abril de 2013, ocorreu uma audiência na Câmara de Vereadores de Patos de Minas para discutir a situação do Parque Municipal do Mocambo. A população ainda espera que os frutos dessa audiência não sejam só mais uma das tantas promessas políticas. Afinal, apesar das propostas e discussões, o Mocambo continua abandonado.

A descontinuidade das políticas e as trocas de gestão são fatores que contribuem para o descaso com as áreas verdes públicas. Um plano de áreas verdes, a implantação de uma praça, a arborização de um bairro, são ações de longo prazo. Todo o processo é prejudicado pela descontinuidade das ações políticas. Os planos e metas traçados não vão além do período de gestão, e raramente são efetivados.

Historicamente, Patos de Minas sempre valorizou a beleza de suas praças, ruas e canteiros. No entanto, é preciso entender o papel desses espaços atualmente, não somente como sinônimo de qualidade de vida e ambiental, mas como parte do imaginário de seus moradores, e como parte da paisagem urbana e da imagem da cidade. Uma boa gestão urbana de áreas verdes não consiste apenas no incentivo ao plantio de árvores no Mocambo, mas na elaboração de um projeto de requalificação que atenda às necessidades da população, respeite a história e a cultura e, principalmente, que valorize as belezas naturais do local. Medidas adotadas nas leis municipais, de uso e ocupação do solo, no Plano Diretor, códigos ambientais e de edificação, entre outras normas, podem criar subsídios para planejamento e gestão dessas áreas.

O Parque Municipal do Mocambo faz parte da história e da memória da população patense, que procura respostas para o descaso, para a desqualificação, para a falta de manutenção do local. Assim como em outras cidades brasileiras que lutam pela recuperação de suas praças e parques, Patos de Minas necessita de um plano de valorização da sua paisagem. As cidades brasileiras têm cada vez mais solos impermeáveis, estão cada vez mais cinzas; aos poucos, o verde que resta perde vida, deixa de fazer parte da paisagem da cidade, fica cada vez mais desbotado.

* Fonte e fotos: Verde Urbano Desbotado: o Caso de Abandono do Parque Municipal do Mocambo, monografia de Nayara Cristina Amorim (Arquiteta pela Universidade Federal de Uberlândia) e Glauco de Paula Cocozza (Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP e Professor Adjunto da Faculdade de Arquitetura Urbanismo e Design da UFU). Trabalho final de graduação, um projeto de requalificação para o Parque do Mocambo. Nayara cursa mestrado pelo PPGAU- Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFU. É Bolsista da FAPEMIG.

Compartilhe