O território das Minas Gerais foi repartido por meio de cartas de sesmarias. O entrante requeria a terra ao governo obedecidas as determinações régias, tornava-se o seu dono, podendo dispor da mesma, como bem lhe aprouvesse. Em 1768 um aventureiro chegou em terras mineiras, e por força do direito, toma conta de uma vasta área: Afonso Manoel Pereira de Araújo, viandante do caminho do Rio de Janeiro. Comprovada a condição de lugar sem donatário, Pereira de Araújo encaminha seu pedido ao governo, observando que “as terras no sertão das margens do rio Paranaíba, são devolutas e servem de asilo aos negros fugidos dos moradores do Paracatu e Goiás”¹.
O peticionário alegou que dispunha de meios suficientes para o cultivo e requereu que lhe concedessem, na dita paragem, três léguas de terra para estabelecer fazenda de gado vacum e cavalar. O título lhe foi dado em 29 de maio de 1770². Naquele mesmo ano, de maneira muito significativa, vimos que o Conselho do Paracatu dispendeu “trinta e sete e meio oitavas de ouro, como paga a Antônio Machado Silva, da pólvora e munição para combate ao quilombo do Paranaíba.
Afonso Manoel Pereira encontrou a terra povoada. Os pretos fugidos de seus senhores goianos e paracatuenses formavam uma pequena povoação às margens do Paranaíba, livres das pulseiras e colares e do temido tronco. Escravos rebeldes conheciam os meios rudimentares da agricultura, sabendo, no tempo certo, fazer o plantio do milho, do feijão e do arroz. Algum gado roubado ou de arribada das manadas que periodicamente passavam pela região, era tangido para o recesso do quilombo. Não se sabe quantos anos durou aquele homizio dos pretos na beira do Paranaíba. Mas o certo é que com a chegada de Afonso Manoel Pereira teve início o destroçamento do refúgio, em refregas constantes, com mortes e prisões.
Certo dia, o pesquisador Edelweiss Teixeira chamou a atenção para uma carta da Câmara de Tamanduá, escrita à Rainha D. Maria I, relatando roubos ocorridos na região e solicitando da soberana providências para coibi-los. A determinada altura do documento, encontramos este trecho:
Além das indicadas extrações, fraudes e tiranias, têm sublevado os índios³ mansos, aldeados nos confins, a atacarem os habitantes e novos povoadores. Matando, abrasando-lhes as fazendas, como sucedeu proximamente nas cabeceiras do rio das Ajudas, onde assassinaram insidiosamente quatro moças bem aloutadas que, descansadamente, se achavam lavrando suas terras. O mesmo barbaramente executaram nas vizinhanças de Bambuhy, espedaçando a dois negros de um chamado por alcunha de “o Barba Tesa”; na fazenda dos Medeiros a um crioulo; na Babilônia, Aragoens e Onça, povoados por Afonso Manoel Pereira de Araújo, depois de lhe matarem dois escravos, roubaram seis mil e tantos cruzados em barra.
A carta de sesmaria de Afonso Manoel Pereira de Araújo foi passada a 29 de maio de 1770. A carta da Câmara de Tamanduá, da qual destacamos o trecho acima, tem a data de 20 de julho de 1793. O notável documento traz o nome completo do donatário, e revela que, 23 anos depois da concessão, ele era senhor de vastíssima área de terras, muito além das três léguas obtidas – da Babilônia (Lagoa Formosa) aos Aragoens (entrada de Patos de Minas) até a Onça (algumas léguas além de Aragoens).
* 1: Leia “ A Questão dos Quilombos”.
* 2: Leia “Carta de Sesmaria de Afonso Manoel Pereira”
* 3: Leia “A Questão dos Índios”.
* Fonte: Domínio de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca.
* Foto: Campinasnostalgica.wordpress.com, meramente ilustrativa.
* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.