APAGA E ACENDE DA LUZ EM 1925, 0

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BORRÃOTEXTO: POSSIDONIO MONTEIRO (1925)

Uma noite destas, chego apressado em meu escriptorio e mal disponho sobre a mesa algumas folhas de papel, apaga-se a luz electrica: Eu, depois de dar um forte muchocho, resignando-me pascientemente e conformado como um bom patense qualquer, enfrento a escuridão pela casa a dentro, apalpando aqui e alli, a procurar não sei onde, uma caixa de phosphoros e um toco de vela, nem que fosse de cera benta. Com mil difficuldades, encontro afinal os phosphoros e a vela. Volto ao escriptorio disposto a recomeçar o trabalho. Mas, apenas escrevi estas duas primeiras linhas, volta de novo o verde-branco clarão da luz electrica, offuscando a humilhada luzerna vermelha do lacrimoso e desapontado toco de vela que eu, com espirito de economia, apresso-me a apagar.

Mais disposto, agora, ia continuar a escrever, quando, oh capricho!… o cumulo!… Rabisco quando muito umas sete ou vinte linhas… e a luz apaga-se novamente!

Era demais, não me contenho. Levanto-me exasperado, atirando a cadeira de catrambrias para o ar e procuro, nervoso, accender de novo o fiel pedaço de vela.

Mas… qu’é da caixa de phosphoros?… Apalpo a mesa de fóra a fóra, remexo os papeis, dou busca ás algibeiras, nada. Cada vez mais indignado, reviro tudo, dou soccos por toda parte e volto, desta vez como uma piranha, pela casa a fora derribando moveis às testadas pelas paredes, sem saber onde teriam ficado os phosphoros.

Nisto, accende-se novamente a luz. Volto pela terceira vez à minha modesta mesa de trabalho e encontro, oh! desespero! o tinteiro aberto, tombado em meio á papelada e justamente sobre as folhas em que escrevia, um enorme BORRÃO.

Desisti de continuar o meu trabalho, zangando-me inutilmente e atirando pela janella o tinteiro que eu mesmo havia tombado sem perceber e… fui deitar-me.

Não podendo conciliar o somno até que o maldito galo do visinho esguellou junto à janela do meu quarto, levantei-me furibundo, mandando á redacção do Jornal em lugar do artigo promettido, o BORRÃO. Fiz o firme propósito de não mais trabalhar á noite, até que os electricistas e os empregados da luz, levem esse negocio mais a serio e deixem de troçar assim, com este apaga a luz, ascende o toco, ascende o toco apaga a luz porque passamos todas as noites.

Que a luz se apague uma ou outra vez, està direito. Mesmo nas grandes cidades isto acontece. Mas esse apaga ascende, ascende apaga, todas as noites, eu nunca vi. Ó tagides minhas.

* Fonte: Texto publicado com o título “Um Borrão” na edição de 25 de outubro de 1925 do Jornal de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Estadosentido.blogspot.com, meramente ilustrativa de um borrão de tinta.

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