A Fábrica de Ferro do Areado¹ foi uma realidade inquestionável, mas nem a própria Câmara de Patos tinha maiores informações. Pelo visto, o Governo de Minas enviou um ofício à Câmara em 21 de fevereiro de 1880 e uma circular em 21 de dezembro do mesmo ano, solicitando informações a respeito. Em 28 de abril de 1881, o legislativo patense respondeu². O documento atesta: Existe, porém, uma mina de chumbo na Freguesia do Areado, na Fazenda Nacional, há muitos anos foi lavrada; e de aí para cá está em abandono até o presente, e dista da Freguesia do Areado 2 léguas, e desta Vila 8 ½ léguas.
Com a extinção da fábrica a área foi sendo aos poucos ocupada por descamisados, de maneira extrativista, causando sérios danos à natureza. Em 1906, o jornal O Trabalho, preocupado com a situação, publicou o seguinte texto que salienta o problema e ainda dá sugestões ao então empossado presidente de Minas Gerais, João Pinheiro:
Como, commentando a bem elaborada plataforma eleitoral do dr. João Pinheiro da Silva, eleito presidente do nosso Estado, tivemos occasião de faltar, embora incidentemente, sobre este proprio estadoal que o governo de nosso Estado tem em nosso municipio, não nos podemos furtar, de algo sobre elle mais dizermos, como orgão dedicado aos interresses deste municipio e desta zona.
Ao tocarmos sobre esse assumpto, dissemos ser de conveniencia reservasse o Estado o dominio do seu sub-solo para si ou emphytentica-lo a uma companhia, visto ser elle rico de minerios, e dividir a superficie de seu solo, em lotes determinados e doa-los aos seus actuaes habitantes, ou vende-los aos mesmos por um preço razoavel, e si possivel até baixo, visto como não deverá ser fito do Estado ter lucros nos mesmos, mas sim da producção q’d’alli em breve repontaria, pela percepção dos impostos.
E isto, ao levantar a nossa opinião, não é determinado vãmente, pois habitantes deste municipio, em algo nos fundamos para assim emitti-la.
A fazenda do chumbo, que o governo até possue, no districto do Areado, neste municipio, tem mais ou menos 36 legoas quadradas, podendo consequentemente, servir para a habitação de 1296 familias, dando o governo, a cada familia, a area de 1 kilometro quadrado, mais do que sufficiente para a subsistencia e enrequecimento da mesma.
Emquanto, porem, isto não se fax, está alli aquelle proprio, que poderia dar muito rendimento ao Estado, sem nada relativamente produzir, e antes destinado a concorrer para o augmento da estatistica criminal de nossa comarca.
De facto, ali quem quer chega e arrancha, faz roçados, apodera-se de seus mananciaes, e, quando outro chega e tenta fazer no mesmo grotão ou manancial a sua moradia, necessariamente tem que se travar de razões com o seu primeiro occupante.
Este, o primeiro occupante, quando dotado de genio conciliador e bondoso, si não trava de razões com o segundo occupante, não lhe pertencendo aquillo, põe-se a desbaratar e deitar por terra toda aquella malta secular, ateando fogo nos roçados e na matta, para assim vingar-se do segundo occupante, e ali, donde emergiam aquelles troncos seculares, não vimos mais que hervas damninhas, troncos retorcidos e despidos pela acção do fogo.
E perde-se ali todos aquelles thesouros de madeira de lei, que, fôra outras as condições, seriam aproveitadas.
E, depois de terem tudo desbastado, primeiro e segundo occupante, mudam-se dalli e vão em outra parte da mesma fazenda continuar a sua obra de exterminio e destruição.
E é assim que se vae, aos pouco e pouco, destruindo toda aquella riqueza alli armazenada a seculos, sem que o Estado dalli tenha provento algum e nem siquer os particulares seus occupantes.
Ao passo que, si o Estado demarcasse e distribuisse, lotes de terrenos a titulo oneroso ou gratuito, aos seus actuaes occupantes e a outros mais que aqui quizessem fixar-se, teria-mos esses thesouros resguardados, e os proventos que perceberia o Estado seriam grandes quer directa, quer indirectamente.
Si estas ideas aventamos, é feito, não só tendo em conta os interesses deste municipio e do Estado, aos quaes sempre advogaremos, como tambem tendo em conta o pedido do illustrado dr. João Pinheiro, no appello que fax a imprensa para que esta o vá seguindo e lhe apontando o que for de justo, razoavel e de conveniencia para a prosperidade de nosso Estado e para a bôa consecução de seu governo.
E, para cumprir tudo isso, não falhando nunca ao nosso programma, aqui estamos e estaremos sempre, pela grande confiança que nos inspiram os nossos pro homens de Minas.
Treze anos após o artigo do jornal O Trabalho, o vereador Augusto Porto, na sessão da Câmara Municipal de 04 de outubro de 1919, indicou projeto para solucionar os problemas dos moradores da fazenda:
Atendendo que a Fazenda Chumbo, situada no distrito do Areado, neste município de Patos, Estado de Minas Gerais, como prédio Nacional, abrange quase dois terços de superfície do distrito, e como tal, não havendo transmissão de propriedades, torna a renda do distrito insignificantíssima, atendendo que este prédio Nacional se acha ocupado há oitenta anos, aproximadamente, por famílias que aí se foram estabelecendo, e hoje se encontram com propriedades de valor e com a população superior a dez mil almas; atendendo que a permanência deste estado dúbio dos ocupantes causa prejuízo ao distrito, ao município e ao Estado, sem nenhum proveito para a Nação, atendendo que o estado anômalo os traz em desassossego pelo futuro de suas propriedades e que para saírem dele se propõem a adquirir os terrenos ocupados a preço razoável, conforme já pediram ao Governo Federal, por intermédio do Ministro da Fazenda; indicamos que esta Câmara represente ao Congresso Federal a sua intervenção fornecendo meios ao Executivo Federal para a solução do caso; bem como representar perante o Executivo Federal por intermédio do Ministro da Fazenda das necessidades da medida pedida.
* 1: Leia “Fábrica de Ferro do Areado”.
* 2: Leia “Documento Sobre a Fábrica de Ferro do Areado”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fontes: Edição de 25 de março de 1906 do jornal O Trabalho, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam; Uma História de Exercício da Democracia – 140 anos do Legislativo Patense, de José Eduardo de Oliveira, Oliveira Mello e Paulo Sérgio Moreira da Silva.
* Foto: Local onde funcionava a fábrica, do livro “Motta & Mota”, de Edilson Corrêa da Mota e Hudson Rangel de Souza Mota.