Dizem as boas línguas de antigamente que a política em Patos de Minas, entre o Estado Novo e a Ditadura Militar, era que nem briga de dois cegos com foices no escuro, onde um cego era o PSD, o outro cego era a UDN e o PTB ficava na espreita recolhendo as rebarbas. O troço era tão brabo que o sujeito era identificado como torcedor da URT ou do Mamoré pelo partido ao qual estava filiado ou apenas simpatizado. A simples presença em um dos clubes da Cidade, Social e Recreativa, apontava que o frequentador era do partido tal.
Lá pelo início da década de 1960 deu-se que, numa manhã, um jumento vinha trotando calmamente pela Rua Tiradentes, entrou à esquerda na Rua General Osório e quando estava bem em frente à Catedral de Santo Antônio teve um mal súbito e arriou, com o relógio da torre registrando oito horas. O ajuntamento de pessoas e o rumor de vozes despertou a atenção do padre, que foi conferir o que estava acontecendo. Tentaram levantar o animal sem sucesso, até que constaram a sua morte. O povo então foi se dispersando, deixando o padre sozinho mirando o asinino morto e despachando um ajudante para solicitar ao prefeito a retirada do falecido da porta da Matriz.
O relógio marcou duas horas da tarde e nenhum representante da prefeitura havia se dignado a resolver a questão do asinino morto na porta da Catedral. O padre enviou novamente o ajudante e este voltou com a resposta que somente na manhã do outro dia é que o problema se resolveria. Mesmo irritado, o religioso resolveu aguardar.
Irritado mesmo, aliás, irritadíssimo, ficou o padre quando chegou o meio-dia e nada de ninguém da prefeitura aparecer. Então, lá se foi o ajudante pela terceira vez com um recado para o prefeito:
– Só espero até as duas da tarde. Se ninguém da prefeitura vier aqui retirar o animal, eu mesmo vou aí para decidir essa questão.
Quatro horas da tarde e nada. Resoluto, o padre, conhecido pelas suas polêmicas e discursos inflamados em suas missas, e ferrenho adversário político do prefeito, foi até a prefeitura, passou pela secretária sem lhe dar ouvidos e entrou num rompante na sala do chefe do executivo:
– Que pouco caso é esse com a Catedral de Santo Antônio? Onde já se viu deixar um jumento morto na frente da Igreja o dia todo sem ninguém de vocês resolverem o problema?
O prefeito não perdeu tempo para ironizar:
– Que é isso, padre, que brabura é essa? Todo mundo sabe que o padre cuida dos mortos e nessa, pelo menos, o animal recebeu de suas santas mãos a extrema unção, né?
– O padre contra-atacou mais irônico ainda:
– Sim, nós rezamos pelas almas dos mortos, mas não tive tempo da extrema unção, e eu tive a boa vontade de vir aqui comunicar essa morte a um membro da família.
Era assim a política naqueles idos tempos.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.