EM TEMPOS DE MIMIMI

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Depois de quinze anos nos Estados Unidos, devidamente credenciado para tal, Juliano veio matar a saudade da família, residente no Bairro Sobradinho. Apaixonado por samba, sendo um bom tocador de cavaquinho e bom de voz, e como era sábado de Carnaval, reuniu-se com alguns saudosos amigos musicistas num buteco nas imediações para tocarem umas marchinhas características em homenagem ao Rei Momo. No tal buteco tinha umas trinta pessoas espalhadas por mesas no passeio e numa pequenina praça em frente. Todos presentes se divertiam com o som e a voz do Juliano bradou:

– Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é, será que ele é bossa nova, será que ele é Maomé, parece que é transviado, mas isso eu não sei se ele é, corta o cabelo dele, corta o cabelo dele…

Praquê! Imediatamente um rapazola se levantou de uma das mesas e foi tomar satisfação com os músicos por estarem sendo homofóbicos e exigia respeito à sua escolhida condição sexual. Quando já estava ligando para a polícia, o dono do buteco ajeitou a situação e o rapazola foi embora. E o som continuou, para alegria dos outros presentes. Depois de umas cinco marchinhas, o Juliano mandou essa:

– Se você pensa que cachaça é água, cachaça não é agua não, cachaça vem do alambique e água vem do ribeirão…

Praquê! Imediatamente um trêbado questionou aos berros se aquilo era alguma indireta para ele. O manguaça já estava indo para as vias de fato quando o dono do buteco ajeitou a situação e o alcoolizado, aos tropeções, foi embora. Depois de mais algumas marchinhas, o Juliano mandou essa:

– Maria sapatão, sapatão, sapatão, de dia é Maria, de noite é João…

Praquê! Imediatamente duas mocinhas se levantaram de uma das mesas e foram tomar satisfação com os músicos por estarem sendo homofóbicos e exigia respeito à sua escolhida condição sexual. Quando já estavam ligando para a polícia, o dono do buteco ajeitou a situação e as mocinhas foram embora. E o som continuou, para alegria dos outros presentes. Depois de outras cinco marchinhas, o Juliano mandou essa:

– Nega do cabelo duro, qual é o pente que te penteia, qual é o pente que te penteia, qual é o pente que te penteia…

Praquê! Imediatamente um casal se levantou de uma das mesas e foi tomar satisfação com os músicos por estarem sendo racistas e exigia respeito à sua condição de negros. Quando já estava ligando para a polícia, o dono do buteco ajeitou a situação e o casal foi embora.

Foi a gota d’água para os músicos, que se mandaram para evitar maiores aborrecimentos. O Juliano? Bem, o Juliano não quis mais saber de roda de marchinhas, de samba e nem de qualquer tipo de música. Curtiu ao máximo os familiares e na quarta-feira de cinzas voltou para os Estados Unidos. Depois de cinco anos, voltou a Patos de Minas e nem passou pela sua cabeça reunir os amigos para uma roda de marchinhas, de samba e nem de qualquer tipo de música.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.

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