ÉGUA E A JIBOIA, A

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Chegando à cidade pela Avenida JK, pouco menos de um quilômetro à frente existe uma lagoa próxima ao logradouro que heroicamente resiste ao tempo. Não é preciso entender de ocupação de espaços urbanos para se perceber que a dita lagoa já está condenada. As demarcações de um loteamento acima e as marcas do progresso em redor já começam a asfixiá-la¹.

Deixando isso para lá, porque não tem jeito mesmo, lá pela década de 1970, a uns duzentos metros da lagoa, havia o sítio do Seu Neneco, que se incomodava demais da conta com os odores nada agradáveis de uma criação de porcos ali pertinho. Ele tinha uma égua, de nome Sedosa, que, em todas as manhãs, costumava passear na beirada da cita lagoa. Ficava por lá uma meia hora e voltava tranquila para o lanche à base de milho. Certa vez, Seu Neneco estranhou a demora da Sedosa. O filho Toniquinho foi ver o que tinha acontecido e voltou berrando:

– Paiê, uma jiboia tá ingulindo a Sedosa!

Imediatamente o Seu Neneco pegou sua espingarda e correram os dois para a lagoa. Chegando lá, só viram os cascos da Sedosa na bocarra da cobra. O filho já foi logo pedindo ao pai para atirar na cabeça da jiboia, mas o Seu Neneco, numa ingenuidade tremenda, ficou com medo de machucar a égua de estimação. E o filho gritando:

– Atira, atira…

O Seu Neneco corria em volta da cobra, apontava e não atirava. Nisso, a jiboia já tinha engolido totalmente a égua. Até que tudo se resolveu. Passados muitos anos, Seu Neneco sempre contava aos netos e amigos a admirável aventura:

– Aí o Tuniquim pegô um toco e deu uma baita cacetada na cabeça da cobra. Ela rolô prum lado, rolô pro outro, e nada de cuspi a Sedosa. Foi então que o Tuniquim me tomô a espingarda e deu um tiro bem na testa dela, e eu fiquei brabo demais da conta porque podia ter acertado a Sedosa.

– E aí, vovô, a cobra morreu?

– Ora se não, ficô lá mortinha da silva. O Tuniquim intão foi na casa e voltô com dois facãos. Aí abrimos a barriga da bicha e tava lá a minha Sedosa.

– Tava morta, Seu Neneco?

– Que nada, Ermelindo, a danada deu um pulo que só vendo, correu pra lagoa, tomô banho e voltô correndo pro cocho pra comê milho.

– E a cobra, vovô, o que fizeram com ela.

– Minha neta, cê não calcula o tamanho da bicha, ela tinha no mínimo uns cem metros e era gorducha que só vendo. Sabe aquelas latona grande de margarina? Pois é, enchemo dez latas daquelas com a banha da cobra, que ocê sabe muito bem que é boa pra curá ferida, mesmo as mais brabas. Distribuí pros amigos e parentes e ainda tenho duas de resto que dá até pru fim de minha vida. Num é, Tuniquim?

* 1: Leia “Mais Uma Lagoa se Aproxima do Fim”.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.

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