CÂMARA DIGITAL SINISTRA

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De vez em quando, e só de vez em quando mesmo, o Seu Brito e sua esposa Jorgeta animavam deixar a tranquilidade da comunidade de Boassara para visitar a filha Gorete que mora na Sede, pertinho do Parque do Mocambo. E lá no parque passavam horas e mais horas, porque o ambiente lembrava e muito o sossego da fazendinha onde moravam. Já a filha, praticamente todo final de semana, ia a Boassara visitar os pais.

Certa vez, por uma necessidade de um exame médico de rotina, foi só o Seu Brito. Era a época em que a câmara digital começou a ser vendida em Patos de Minas. Gorete, apaixonada por fotografia, logo tratou de adquirir uma, aliás, duas, pois uma delas ia ser presenteada ao pai. E quando o pai a recebeu, ficou feliz, mas embaraçado por não entender bulhufas de máquinas fotográficas, ainda mais digital:

– Filha, brigado pelo presente, mas acho que ocê gastou dinheiro à toa, pois não sei como vô usar isso.

A Gorete teve muita paciência para treinar o Seu Brito na nova tecnologia fotográfica e ele, também com paciência, foi gostando do treco a cada foto tirada como treinamento e até ficou craque no uso do temporizador. Para testar se o pai aprendeu mesmo, ela o levou ao Parque do Mocambo e tiraram um monte de fotos. Assim, entendendo mesmo da máquina, de volta a Boassara, Seu Brito resolveu reunir alguns parentes para apresentar a novidade, pois nenhum deles conhecia câmara digital.

Na sala, oito pessoas reunidas. Seu Brito ajeitou a câmara na posição adequada em cima de um móvel, programou o temporizador e correu para se juntar à turma. Foi então que algo inesperado aconteceu, pois a turma se debandou numa carreira tremenda, com gente saindo pela porta da sala, outro pela porta da cozinha, um rompendo cerca de arame farpado, outro escalando um pé de manga numa ligeireza espetacular e Dona Jorgeta se mandando para o quarto e trancando a porta. Seu Brito ficou lá, sem entender bulhufas o porquê daquilo. Aos poucos a turma foi voltando, e o Seu Brito logo perguntando:

– Ocês por um acaso ficaram doidos? Qual o motivo dessa correria toda, e você aí, João, rasgou a camisa no arame farpado, que trem mais esquisito, sô. Até ocê, Jorgeta, saindo desembestada para o quarto.

Foi a Jorgeta que resolveu se manifestar em nome de todos:

– Uai, marido, nós num é doido é nada, pois foi ocê que trouxe esse trem, foi ocê que colocou ele em cima da cristaleira, foi ocê que apertou um botão do trem e foi ocê o primeiro a sair correndo, então, esperava o que da gente?

Seu Brito explicou tudo direitinho e eis que a comunidade de Boassara entrou na era da câmara digital.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.

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