VIRGILIO BORGES E A GARRAFA DE VINHO DA FAZENDA CASCATA

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TEXTO: JORNAL FOLHA DE PATOS (1944)

Na vida de todo mundo há erros que lamentar, e acertos de que se orgulhar.

O Cap. Virgilio Borges, um velho patense que não tira o chapeu e não faz a barba, talvez, tenha tido na vida muita cousa de que se lamente, e, muita cousa de que se orgulhe. Nestas ultimas, pode-se incluir o seu tocante gesto de mandar praciar uma velha garrafa de vinho da Cascata¹, garrafa esta em seu poder a quasi quarenta e seis anos. Mas se uma dadiva para uma praça em porta de igreja, é cousa tão comum, que de extraordinario tem o ato do honrado negociante!

Vejamos. Pelo ultimo quartel do século dezenove, quando Patos ainda se engatinhava, existia uma cultura de vinha feito pelo cel. Antonio Dias Maciel, um dos fundadores do nascente municipio, de onde, anualmente, o venerando chefe, tirava apreciavel quantidade de vinho. Esta cultura desapareceu com o seu incentivador. Ao findar o seculo, o velho fazendeiro da Cascata ofereceu ao leilão da festa de N. S. da Abadia de 1898, uma garrafa do já então velho vinho. Arrematou-a por doze mil reis o Cap. Virgilio Borges que a conservou pelo longo periodo de quarenta e seis anos.

Agora, volta a mesma garrafa à praça na mesma porta da igreja onde em vez do Conego Getulio Alves de Melo pontifica Monsenhor Fleuri Curado, o terceiro vigario da Paroquia, já mais que centenária, de Santo Antonio dos Patos. Esta garrafa, bem o sentiu o seu doador, quando lhe escreveu a legenda, e confecionou-lhe o artistico e significativo painel, representa ou melhor, rememora uma epoca extinta, e cujos clarões já se apagam na voragem do tempo. Ela é testemunho eloquente da fertilidade da terra apta a todas as culturas e prodiga de messes a todo o trabalho. Ela é a tradição e é simbolo. Tradição porque é amostra de um passado de que muito se orgulha o patense autentico e cujas raizes se mergulham nas mais qualificadas estirpes dos fundadores da nacionalidade. E’ simbolo porque se transforma em síntese da morte de uma epoca, e no alvorecer promissor de novos tempos.

Destas considerações de ordem histórica (e a historia é mais e mais a mestra da vida) e sentimental nasce a importancia da dadiva do Cap. Virgilio Borges, que em larga atitude determinou que o resultado do leilão revertesse em beneficio da cultura popular.

Dizem que o Cel. Farnese Maciel, iniciou os lances com a importancia de duzentos cruzeiros. Não seria elegante que a Prefeitura Municipal concorresse ao leilão e tentasse arrematar a já famosa garrafa, para o seu arquivo de preciosidades da terra?

Mais tarde ela muito falaria de nosso passado, e testemunharia a sensibilidade de nossos sentimentos.

Fica a sugestão e o registro do acontecimento.

* 1: Leia “Vinho da Fazenda Cascata”, “A Questão da Viticultura”.

* Fonte: Texto publicado com o título “Gesto Feliz” na edição de 11 de junho de 1944 do jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, via Marialda Coury.

* Foto (Eitel Teixeira Dannemann): Duas garrafas do vinho da Fazenda Cascata e o rótulo de uma delas, publicada em “Vinho da Fazenda Cascata” (01/03/2013).

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