Palavras de Arnaldo Jabor: A chamada profissão mais antiga provoca intensa curiosidade nos caretas e pessoas “comuns”. Em nosso imaginário, a prostituta conhece mistérios de liberdade que nos são vetados. Ela vive uma impalpável ambiguidade que nos enlouquece: ela vive no mal e dá prazer, ela é um mal e um bem, ela está entre a liberdade sexual e escravidão. As peruas a desprezam e invejam. A prostituta é um mito. Claro que não falo da prostituta real, pobre, sofrida. Não me refiro ao problema social. Falo das que povoam nossas fantasias imaginárias.
Patos de Minas, desde os seus primórdios, contou com a presença da prostituta. Não havia uma exploração sistemática e organizada como a de nossos dias. Elas trabalhavam em casas isoladas, em ambientes paupérrimos. Situavam-se no então subúrbio do Baixo da Várzea¹. Até a década de 1930 pode-se dizer que não houve nenhuma prostituta famosa. Entre as poucas sobressaíram as casas de Jovita Poteira, Carmelita, Piraí e Vicência. Com o desenvolvimento da cidade, ponto estratégico de ligação entre o Noroeste, Triângulo e Centro-Oeste mineiros, e acentuado número de viajantes que por aqui pernoitavam, passou a haver uma aglomeração maior e exploração sistematizada com pensões que se localizavam, principalmente, nas Ruas Padre Brito e José de Santana.
O empréstimo que o governo de Vargas abriu, amplo e farto, aos pecuaristas para a aquisição do Zebu foi decisivo para o refinamento da prostituição. O que pôde ser sentido em Patos de Minas foi algo de indescritível. De repente a cidade, o Município inteiro, saiu de uma letargia extenuante. Uma agência do Banco do Brasil se instalou na cidade e o dinheiro correu à vontade, dentro dos canais exigidos para os empréstimos. O tanto de zebus que entraram no Município igualava-se ao de meretrizes que engrossavam o baixo mundo, atraídas pelo dinheiro à farta. Lojas decadentes tiveram seus negócios em ascensão repentina, os artigos de vestuário ganharam novo requinte, as noitadas nos cabarés eram intensas e puxa-facas caminhavam pela madrugada, encontrando o dia seguinte. Foi a época do grande desenvolvimento da prostituição em Patos de Minas. Era o ano de 1945. Casas confortáveis, com requisitos de higiene necessários e bons quartos. A zona boêmia daqui se tornou então famosa e conhecida em todo o Estado. Mulheres bonitas e sedutoras vinham de lugares distantes. Muitas delas, altamente traquejadas. A fama do meretrício patense fazia com que o mercado da prostituição fosse constantemente renovado e sobejamente procurado.
Na segunda metade da década de 1950, com a queda do zebu veio a falta de dinheiro na região, e em consequência uma decadência rápida de seu movimento. Também, com a criação de Brasília e a construção da rodovia Belo Horizonte-Brasília, o movimento de viajantes e caminhões transportadores em Patos de Minas diminuiu assustadoramente. Povo que demandava os rincões do noroeste mineiro e o sudeste goiano. O movimento já não era como antigamente, mas algumas prostitutas, já famosas, mantiveram seus negócios em alta.
Em 1962, o capuchinho Frei Antônio de Gangi iniciou um movimento contra casas de tolerância em sua Paróquia, uma vez que havia muita infiltração delas em meio às famílias do Bairro Brasil e bem próximo à Igreja Santa Terezinha. Por isso mesmo, no dia 02 de dezembro daquele ano, convidou crianças e homens da Paróquia para realizarem uma passeata empunhando cartazes e faixas com dizeres alusivos à moralização do bairro. Foi uma confusão tremenda que gerou manchetes sensacionalistas em jornais e revistas do Brasil, e até no estrangeiro².
O movimento do Frei Antônio conseguiu realizar seu intento: tirar os bordéis famosos e grandes das proximidades da Igreja Santa Terezinha e grande parte da Rua Ouro Preto. Moralizou muita coisa na região. Houve um efeito positivo, apesar de tanta calúnia veiculada pela imprensa. Patos de Minas tornou-se uma cidade ultrajada. Mas, com o passar dos tempos, quase ninguém falou mais nisso. Tudo se aquietou.
Na verdade, o número de mulheres prostitutas em Patos de Minas era bastante acentuado e elas se aglomeravam em três pontos diferentes da cidade: Alto da Várzea, onde ficavam as melhores casas, sobretudo nas Ruas Padre Brito e Dr. Adélio Maciel; mas contando também com o baixo meretrício em parte das Ruas Dores do Indaiá, José de Santana e Ouro Preto. As duas outras áreas eram o Baixo da Várzea, meretrício baixíssimo e de extrema pobreza, o mesmo acontecendo com o Alto da Vila Garcia, acima da Vila Vicentina Padre Alaor.
Estatísticas apontam que 47% das prostitutas daquela época eram originarias do próprio Município, enquanto que dos municípios vizinhos como Carmo do Paranaíba, Presidente Olegário, Lagoa Formosa e Patrocínio vinham em média 10% de cada um e, em escalas menores, de Guimarânia, Araxá, São Gonçalo do Abaeté, Uberlândia e Uberaba. De outros Estados foi mínima a influência, não chegando a 5%.
Estes números não coadunam com a afirmação de H. D. Barruel de Lagenest, em seu livro Lenocínio e Prostituição no Brasil, referindo-se aos prostíbulos de Belo Horizonte: “São os prostíbulos, na sua maioria abastecidos por elementos que vêm de outras cidades. Alguns centros de procedência já são bastantes conhecidos. Entre outros, podemos citar: Montes Claros, Serro e Patos”. As daqui geralmente procuravam permanecer na sua terra, enquanto que as eternas viajantes gostavam sempre de afirmar que eram originárias de uma cidade maior, escondendo a sua terra de origem.
A situação social destas mulheres, totalidade quase absoluta, era de empregadas domésticas sem nenhum recurso financeiro e, mais ainda, sem escolaridade. A maioria mal possuía a primeira série primária, e, com o curso primário completo não passava de 5%. Há o registro de apenas uma que possuía o curso ginasial completo e o início do 1.º Ano do Curso Normal.
A maioria absoluta tinha entre 15 e 25 anos. Num levantamento e exame clínico realizado pelo Dr. Paulo José de Amorim em 202 prostitutas, em agosto e setembro de 1965, quando chefe da Unidade Sanitária, pôde constatar que 65,8% delas estavam atacadas de doenças venéreas, sendo que a blenorragia (gonorreia) apresentou-se com o maior índice de positividade, vindo a seguir a sífilis e o cancro mole. “A positividade das doenças venéreas tornou-se menor nos períodos etários mais altos. Seria devido ao aumento da resistência”? Afirma e pergunta o Dr. Paulo.
A zona boêmia de Patos de Minas possuía os seus problemas, como toda outra. No entanto, foram pouquíssimos casos de tóxicos. Talvez em virtude de ser muito policiada. Também não possuíam os casos de “trottoir” e as pensões da Rua Padre Brito eram muito procuradas e preferidas pelos viajantes. Bons quartos, confortáveis e mais baratos que os hotéis da cidade. Algumas ganharam fama na profissão, como a Brama, a Eva, a Joaninha, a Maria Cachorra, a Marietinha e a mais famosa delas, a Lé.
Entre as próprias mulheres o que havia muito era roubo, sobretudo de utensílio e dinheiro, fugindo a ladra, imediatamente, sem deixar pista e nunca mais regressando. A grande maioria delas tiveram filhos. Pouquíssimos são os que permaneceram com as mães na própria zona boêmia. Geralmente as proprietárias das pensões não permitiam. Sobretudo as de padrão mais elevado. Por isso, procuravam senhoras idosas ou casais sem filhos para olhá-los mediante um pagamento mensal, geralmente de Cr$ 50,00 por filho, fornecendo-lhes ainda roupa, calçados e todos os extraordinários necessários. Muitas sentiam a necessidade de educá-los condignamente, incentivando-os a prosseguirem os estudos. Há grande número de alunos filhos de prostitutas que cursaram os ginásios e colégios. Algumas destas mães, por influência e força dos filhos, abandonaram a prostituição e passaram a ter uma vida normal.
As prostitutas eram estragadas pela vida desordenada que levavam, pela bebida que ingeriam diariamente (obrigadas a fim de proporcionarem mais lucro às cafetinas) e pela falta de disciplina de horário. Depauperavam-se rapidamente, e aos 25 anos de idade já se encontravam arrasadas e imprestáveis. Nunca houve em Patos de Minas um trabalho de readaptação das prostitutas à vida social. A zona boêmia se extinguiu nos anos 1990 com a morte da Lé.
Os tempos mudaram, os motéis passaram a fazer parte do cotidiano e a prostituição se modernizou. Hoje, a prostituta se chama garota de programa. Como diz Arnaldo Jabor, “a prostituta contemporânea não se envergonha do trabalho e não tem sentimento de culpa; talvez, apenas nojo… de você!”
* 1: Antigamente a denominação Várzea compreendia duas áreas distintas: Baixo da Várzea, que hoje é o Bairro do Brasil, e Alto da Várzea, próximo ao centro, nas imediações do Café Cristal.
* 2: Leia “Frei Antônio de Gangi e Sua Investida Contra as Prostitutas”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fontes: Patos de Minas: Capital do Milho, de Oliveira Mello; Domínio de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca.
* Foto 1: Três Prostitutas na Rua, óleo sobre tela de Otto Dix, 1925, em ptwahooart.com.
* Foto 2: Júlio, Burguês e Prostituta, 1931, óleo sobre tela de Júlio Maria dos Reis Pereira, em ptwikipedia.org.