PROTEGIDO DE SANTA TEREZINHA

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Nos idos tempos da década de 1970, as paredes externas da Igreja Santa Terezinha, a Igreja dos Capuchinhos, estavam sendo reformadas e pintadas. Na oportunidade, um sacristão desconfiou que o gazofilácio estava sendo violado diariamente. O que? Você não sabe o que é gazofilácio? Pois saiba que é um lugar em que, no templo, se recolhe as ofertas, uma espécie de caixa ou urna onde os fiéis depositam suas ofertas voluntárias e/ou seus dízimos, segundo orientação bíblica. Então, agora que você sabe o que é gazofilácio, continuemos. Como o dito, um sacristão desconfiou que o gazofilácio estava sendo violado diariamente. A suspeita surgiu devido ao fato da diminuição súbita e diária das ofertas. Foi então que os religiosos montaram um esquema de observação, na base da espreita, para conseguir descobrir se alguém estava realmente violando a caixa de ofertas, o tal gazofilácio.

Passados dois dias, pimba, mataram a charada, pegando na boca da botija um dos fulanos que estavam trabalhando na pintura. O tal foi preso e imediatamente levado para a antiga Cadeia Pública. No outro dia, o Mestre de Obras e chefe do larápio, surgiu por lá com um advogado e um capuchinho. O mão-leve chorou à beça, pediu desculpas e disse que fez aquilo porque a esposa grávida está doente, que ela tem que fazer uma cirurgia que o Hospital Regional não tem como fazer e por isso, desesperado, precisando do dinheiro, teve a ideia de afanar alguns trocados da caixa de ofertas, o tal gazofilácio. Depois dos queixumes, com o delegado atento a tudo, o advogado entrou em ação:

– Senhor Delegado, não podemos considerar a ação do moço aí como crime, de jeito algum. Foi unicamente um ato de desespero, na ânsia de salvar a vida de sua amada e querida esposa grávida. Pois eu tenho certeza, senhor Delegado, que Santa Terezinha não se importou com isso, e muito pelo contrário, chegou a chorar de contentamento, pois Santa Terezinha não precisa de dinheiro, senhor Delegado. Afinal de contas, senhor Delegado, Santa Terezinha é de Deus, e de Deus vem as dádivas. Preste atenção, senhor Delegado, se Santa Terezinha se opusesse ao moço de levar o dinheiro, se Santa Terezinha tivesse se importado com isso, o que ela teria feito? Sim, seu Delegado, você que é um cristão convicto sabe muito bem que se Santa Terezinha não quisesse que o moço levasse o dinheiro, ela o teria impedido. Mas ela não impediu, e se ela não impediu é porque anuiu com a necessidade do moço em arranjar dinheiro para a operação da amada e querida esposa grávida. Então, senhor Delegado, não houve crime algum na ação do moço. E se não houve crime algum, por que manter o moço preso, ele que está precisando mais do que nunca trabalhar para obter condições de pagar a cirurgia da amada e querida esposa grávida.

Com a concordância do capuchinho, o moço foi solto, mas, por precaução, o Mestre de Obras o encaixou noutra obra sem a presença de gazofilácio.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.

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