LAGOA E OS HIPPIES, A

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Até 1984, o começo da Rua Major Gote era também o Km 0 da Rodovia 354. Em 06 de setembro daquele ano, a Lei n.º 1.967 denominou o trecho até o Trevo da Pipoca de Avenida Juscelino Kubitschek de Oliveira. O pessoal mais antigo se lembra de uma vistosa lagoa existente à beira da então estrada encascalhada e quase ao lado do hoje estádio de futebol do Mamoré. Muita gente gostava de frequentar o espelho d’água, geralmente em surdina, pois o sitiante e proprietário não gostava nadinha de gente estranha em suas terras.

A partir de 1969, quando o cito trecho foi asfaltado, mansamente todo o entorno da estrada foi progredindo e várias chácaras, sítios e criações de porcos foram sendo substituídos por loteamentos que se transformaram nos bairros de hoje. Com o aumento da movimentação de gente e carros, a lagoa passou a ser mais visada. Foi naquele tempo, fase áurea do Movimento Hippie, que cinco casais de jovens devidamente paramentados arrancharam à beira da lagoa. Não demorou muito o proprietário chegou disposto a expulsá-los, mas, com muita paz e amor, os jovens o convenceram de que não haveria baderna, que eles apenas queriam curtir a beleza da natureza local. Depois de presenteado com bijuterias artesanais direcionadas à esposa, o dono se conformou e foi embora.

E assim, duas ou três vezes por semana, os dez jovens por lá apareciam, sem bagunça, sem barulheira e principalmente, sem deixar sujeira alguma. Certa vez o proprietário resolveu visitar a turma, quem sabe no intuito de ser presenteado novamente com outras bijuterias para a esposa. Antes que os jovens percebessem a sua chegada, ele levou um baita susto: estavam todos nus, alguns nadando e outros se esfregando na margem. Ele ficou sem saber o que fazer, contou para a patroa, esta lhe deu uma bronca e exigiu que o marido expulsasse aqueles desavergonhados.

Resolvido a por um fim àquela devassidão, o homem pegou sua espingarda e no caminho traçou o plano de ação. Quando os jovens o viram chegando com a arma, assustados trataram de se vestir e uma das jovens clamou com voz trêmula:

– Ó moço, por favor, não atira na gente!

Calmamente, o moço explicou:

– Fiquem tranquilos, meus jovens, a espingarda não é pra vocês. É que há muito estou querendo pegar um casal de jacarés que anda atacando meu galinheiro, e hoje de manhã, pouco antes de vocês chegarem, eu vi os dois dentro da lagoa só com as cabeças de fora. Então, enquanto eu fui pegar a espingarda, vocês chegaram. Os dois estão aí, agora eu pego eles…

Os dez jovens, não esperando o moço terminar de falar, pegaram seus apetrechos e se mandaram, e nunca mais voltaram. Quanto à vistosa lagoa, como já era esperado, não resistiu ao progresso. Já totalmente seca, brevemente será literalmente engolida pelos Bairros Ipanema e Planalto.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 06/06/2014 com o título “Antiga Rodoviária no Final da Década de 1970 − 1”.

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