Em 1930, Afonso Queiroz construiu um imóvel de dois andares na Rua Major Gote¹. Enquanto ele, fazendeiro que fez parte dos Cascas Grossas, morava no segundo andar, o térreo era de lojas comerciais. Duas delas são lembradas até hoje: a Barbearia do Joãozinho e a firma de material elétrico comandada por Acir Marques.
Nos idos da década de 1970, quando alguns bares suspeitos e eróticos teimavam em se manter vivos na astuciosa Rua Padre Brito, os amigos Pedro e Malaquias se encontraram na Barbearia do Joãozinho com os mesmos objetivos: aparar a barba. Como o Joãozinho e seu ajudante estavam desocupados, os dois sentaram ao mesmo tempo, cada um numa cadeira, óbvio.
Os dois amigos danaram a conversar obrigando o Joãozinho a ralhar com eles, porque daquele jeito não tinha como aparar as barbas, principalmente na hora dos finalmentes com a navalha. Silenciados os amigos, os dois barbeiros puderam continuar com mais tranquilidade o serviço e o Joãozinho é que danou a falar, pois ele apreciava demais da conta contar as novidades da cidade. Quando um dos dois amigos tentavam opinar, lá vinha o Joãozinho:
– Silêncio, só eu falo, senão não acabamos o serviço.
Por incrível que pareça, quem estava atrasando o serviço era o próprio Joãozinho com seu falatório, pois enquanto ele ainda estava nos finalmentes da navalha o seu ajudante já estava na fase de passar loção pós-barba nas áreas navalhadas. Nessa, o Pedro foi logo dizendo:
– De jeito algum passe essa loção no meu rosto, é perfumada e, cruz credo, eu chegando em casa com esse perfume, minha esposa, desconfiada que eu nem te conto, não vai nem reparar na minha barba aparada e vai logo dizer que estou com catinga de casa de perdição e aí, gente, vai ser duríssimo convencê-la de que é loção pós-barba do Joãozinho.
E por falar no Joãozinho, eis que ele termina o seu serviço, pega o frasco da tal loção e pergunta ao Malaquias:
– Posso passar a loção em você?
O Malaquias, ironicamente, para zoar o Pedro, respondeu:
– Ora, Joãozinho, pra mim não tem problema algum, pode passar a loção, pois minha esposa, que nunca trabalhou numa casa de perdição, não tem a mínima ideia do que é a catinga de uma casa de perdição.
Primeiramente, um silêncio de pouco mais de dez segundos. Depois, estrondosas gargalhadas pela ironia do Malaquias. E pouco mais depois, o relacionamento entre Pedro e Malaquias nunca mais foi o mesmo.
* 1: Leia “Três Imóveis da Rua Major Gote na Década de 1980”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 06/06/2014 com o título “Antiga Rodoviária no Final da Década de 1970 − 1”.